Título: Aperto fiscal terá sistema de bandas
Autor: Janaína Leite
Fonte: Jornal do Brasil, 01/12/2004, Economia, p. A19

Governo discute com o FMI a adoção de metas flexíveis de superávit primário, para viabilizar investimentos em infra-estrutura

Trabalhar com a legislação à mão, escapando de intensas costuras políticas no Congresso. Esse é o conselho que a equipe econômica tem ouvido dos organismos internacionais de crédito, inclusive do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird). O modelo de superávit primário que vem sendo discutido com o Brasil é simples: metas ajustáveis, usando bandas para cima e para baixo, a exemplo do que ocorre com as metas de inflação. A idéia dos credores internacionais baseia-se em dois raciocínios. O primeiro é que, contabilmente, o superávit primário é a soma de todas as receitas deduzidas as despesas do setor público (União, estados, municípios e estatais), fora gastos com juros da dívida. Considerar os gastos em infra-estrutura excepcionais e tirá-los da conta é visto com maus olhos. Isso porque, além de uma exceção, o Brasil estaria dando margem a dúvidas sobre a transparência de suas contas.

A segunda intenção é, mesmo com a manutenção do conceito clássico de superávit, abrir espaço para investimentos maiores em infra-estrutura. A área é considerada a bomba-relógio de maior potência nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Calcula-se que o déficit de investimentos chega a R$ 20 bilhões. A adoção de bandas no superávit permitiria aos brasileiros deixar de mirar o centro da meta e, por tabela, afrouxar um pouco o garrote fiscal.

Se vingar a discussão e o Brasil fizer um superávit menor, no piso da meta, o governo se comprometeria a explicar que isso aconteceu porque investiu em determinadas obras de infra-estrutura, além de detalhar esses gastos. As obras teriam de ser escolhidas previamente, de acordo com uma série de critérios - o principal, claro, seria o retorno financeiro.

Uma das maiores brigas é saber o sistema de avaliação dos projetos. Pela lei atual, essa responsabilidade cabe ao Ministério do Planejamento. Depois do crivo técnico, os planos de investimento voltariam ao Congresso.

- O atual conceito de superávit é draconiano, nos moldes internacionais, e duvidoso do ponto de vista conceitual. O uso de recursos em infra-estrutura é mais do que necessário e teria de atender a três critérios de retorno: o econômico puro, no caso de investimentos das estatais; o tributário, quando vier do Executivo, como concessões, e o social - avalia o professor da Unicamp Geraldo Biasotto, especialista em contas públicas.

Sinal de que o governo pode estar se resignando com esse modo de pensar foi dado ontem pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Durante entrevista para comentar a revisão do PIB de 2003, em Brasília, ele reafirmou a importância de o país economizar, fazendo superávits primários, mas disse crer razoável a atual meta de economia pública para 2005, fixada em 4,25% do PIB. Além disso, revelou que o projeto-piloto em estudo com o FMI pode liberar algo em torno de R$ 2,5 bilhões das contas do superávit primário para investimentos em infra-estrutura - o que não significa alteração nas metas fiscais.

- Não nos parece haver necessidade de um número maior - adiantou.

O assunto, todavia, ainda está sob discussão no governo, inclusive com o FMI. O Brasil cumpriu a meta de superávit para 2004 firmada com o FMI, ao economizar R$ 77,971 bilhões em outubro, mas o compromisso autônomo do governo é obter um superávit primário de 4,5% neste ano.

A fala de Palocci soou estridente ao mercado. Acostumados às reviravoltas nas mesas de operação, os agentes financeiros defendem um superávit primário mais largo no próximo ano, de cerca de 4,5% do PIB, para manter os investidores tranqüilos em relação à economia brasileira.

- O superavit primário deveria ser maior, pois assim rapidamente cairá a relação dívida/PIB. Há necessidade de abrir espaço no orçamento público para investimentos mais robustos em infra-estrutura, mas este espaço deveria ser aberto com a redução dos gastos públicos com salários e, principalmente, aposentadorias do funcionalismo público. A reforma da Previdência, por exemplo, não foi regulamentada - observou o responsável pela América Latina do banco alemão West LB, Ricardo Amorim.

De Nova York, ele rechaçou a iniciativa de um superávit com bandas.

- Não é uma boa idéia. A geração de superávits primários visa garantir a solvência do setor público brasileiro, o que é uma condição para o país crecer e gerar empregos - completou.

Superávit maior é sinônimo de absurdo para especialistas ligados ao setor produtivo.

- Só entendo a manutenção desse superávit de 4,25% do PIB em 2005 como uma tentativa da equipe econômica de comprar do mercado a credibilidade do país. Acontece que o Brasil já comprou e pagou caro por ela. O mercado está fazendo o papel dele ao pedir um superávit maior, cabe ao governo mostrar firmeza não só em cumprir compromissos mas em permitir um superávit menor quando a economia cresce. Não existe motivo para o governo ser mais realista que o rei - rebateu o economista José Roberto Afonso, ex-secretário de Relações Fiscais do BNDES e com bom trânsito entre os tucanos.