Título: Discriminação em números
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Jornal do Brasil, 02/12/2004, País, p. A-2

Carlos Alberto Avelar tem 32 anos e há 16 trabalha no Congresso. Começou como engraxate, foi balconista da lanchonete e hoje é garçom. Raça: negra. Ontem, era ele quem servia seus parceiros de cor durante a apresentação do Atlas Racial Brasileiro, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Avelar reconhece como positiva a iniciativa de colocar em estatísticas a realidade que conhece na prática, mas questiona se a documentação poderá alterar o atual cenário. O documento mostra, entre outros dados, que 65% dos pobres e 70% dos indigentes são negros. Este quadro é o mesmo desde o início da década de 90. - Será que transformar isso em números pode um dia ajudar a gente a sair da copa e chegar ao plenário? - pergunta Avelar que, como a maioria dos negros, teve de abandonar os estudos para sustentar a família.

Para José Carlos Libânio, coordenador da Unidade de Avaliação de Políticas e Desenvolvimento Local do Pnud, a resposta é sim. Segundo ele, a democratização do acesso a dados de raça é fundamental para elaboração de políticas públicas e para a ''tropicalização'' dos Objetivos de Desenvolvimento o Milênio, uma série de metas que os países da Organização das Nações Unidas (ONU) se comprometeram a atingir até 2015, envolvendo áreas como renda, meio ambiente, educação e saúde.

O Atlas, considerado a maior série de dados sobre raça e cor já publicada no Brasil, aponta que os brasileiros de cor preta têm hoje, em média, os níveis de qualidade de vida que os brancos tinham no começo dos anos 90.

- Em várias áreas os negros se beneficiaram dos avanços dos indicadores das duas últimas décadas, como redução no trabalho infantil e aumento da expectativa de vida, mas as mudanças não foram suficientes para equiparar as duas parcelas da população - acrescenta Libânio.

As diferenças de renda foram as que menos avançaram. A proporção de negros abaixo da linha de pobreza (renda inferior a R$ 75,50 por mês ) é de 50%, índice que fica em 25% na população branca. E o quadro não evolui desde a década de 80, quando começou a série estatística do Atlas. Tanto para brancos quanto para negros, o melhor ano foi 1986, quando 17,24% dos brasileiros de cor branca eram pobres, índice que chegou a 40,63% entre os negros. Mas há avanços em outras áreas.

Entre 1980 e 2000, a porcentagem de jovens de 10 a 14 anos trabalhando caiu mais entre os negros (39,5%) do que entre os brancos (38,6%). E a mortalidade infantil foi reduzida nas duas parcelas da população, com maior intensidade entre os brancos na década de 80, e entre os negros, na década seguinte. No período, o recuo foi de 28,9% entre os filhos de mães brancas e 32,9% entre os de mães negras.

O Atlas, lançado ontem em Brasília, foi desenvolvido pelo Pnud e pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais. O documento ''abre'' os dados de uma série de pesquisas, principalmente os Censos de 1980, 1991 e 2000, e pode ser consultado na internet, no endereço www.pnud.org.br