Título: Formação mais ampla e diversa
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 06/12/2004, País, p. A-2

A última grande reforma do ensino superior data de 1968. Implantou-se então o regime de créditos e a estrutura departamental, visando aumentar a flexibilidade dos cursos. Nas ruas, os estudantes clamavam por mais vagas e opunham-se à proposta oficial de uma universidade voltada para o mercado, defendendo a idéia de uma educação transformadora que incentivasse o espírito crítico.

Trinta e seis anos depois, cabe perguntar: como se desenvolveu nosso ensino superior? Desde 1968, expandiu-se em qualidade e quantidade a pós-graduação e a pesquisa, concentradas fortemente nas instituições públicas, acompanhadas e avaliadas pela Capes, e levando com sucesso a uma melhor compreensão de nosso país, à formação de recursos humanos e ao desenvolvimento de tecnologia pioneira em empresas como a Petrobras, a Embrapa e a Embraer.

Os cursos de graduação desenvolveram-se de forma diversa. O clamor por mais vagas foi atendido por forte expansão do ensino privado, praticamente sem controle e às expensas da qualidade. Mais de 70% dos estudantes de ensino superior no Brasil estão matriculados hoje em instituições privadas. Nos Estados Unidos, o percentual correspondente é de 22%, com apenas 1,4% dos estudantes de nível superior matriculados em instituições com objetivo de lucro.

Ocorreu uma verticalização crescente, com jovens fazendo suas opções de carreira no vestibular. Essa especialização prematura contrasta com a tendência mundial de uma formação ampla e sólida, que permita ao estudante transpor as fronteiras das disciplinas, adaptando-se assim mais facilmente às rápidas transformações do mundo atual.

Apesar da expansão ocorrida, apenas cerca de 10% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos estão matriculados em instituições de ensino superior, comparados com 35% na Argentina e 60% nos EUA. Temos ainda um longo caminho a percorrer, que pressupõe reforço dos ensinos fundamental e médio. Um salto de qualidade de nosso ensino superior exigirá a presença crescente do setor público e investimentos adicionais do Estado. Não haverá reforma com custo zero!

Por outro lado, devemos ir além das questões financeiras e de organização. Precisamos repensar os programas, estimular a formação interdisciplinar, promover nas universidades o ingresso em grandes áreas, adiando-se a especialização, reduzir a carga horária de disciplinas obrigatórias e aumentar o leque de eletivas. A demanda crescente pelo ensino superior deve ser atendida diversificando as opções em instituições públicas de qualidade, com cursos de dois, três anos, que possibilitem aos alunos sair para o mercado de trabalho, aprofundar a profissionalização em ciclo posterior, ou educar-se para melhor se situar no mundo contemporâneo.

Não é um plano que possa ser implantado universalmente ou por decreto. Pela sua profundidade, exige a convicção de seus principais atores. A implantação de mecanismos de avaliação - uma Capes para a graduação! - permitiria zelar pela qualidade dos cursos, incentivar propostas inovadoras e impedir a proliferação de empresas sem compromisso com a qualidade do ensino.

Mais que uma reforma, precisamos de um plano estratégico para o ensino superior, que atenda aos nossos jovens e forneça uma alavanca para o desenvolvimento de nosso país.