Título: Democracia radical
Autor: Antonio Carlos Amorim
Fonte: Jornal do Brasil, 06/12/2004, Outras Opiniões, p. A-11

O movimento sindical, origem do PT, explica o assembleísmo que caracterizou a trajetória do partido e que hoje foi inoculado na máquina administrativa federal, onde, desde a posse do presidente Lula, criaram-se, em diferentes instâncias e órgãos, uma série de comissões, comitês e grupos de trabalhos destinados - alguns com funções superpostas aos ministérios - a discutir e decidir as melhores políticas a serem desenvolvidas e implementadas pelo governo em cada área. Assembleísmo, em linhas gerais, pode ser definido como o processo pelo qual todos os atos e decisões devam ser previamente submetidos a longas discussões junto aos supostos destinatários das mesmas, ou seus representantes.

Se, em tese, este modelo de ''governar'' pode parecer louvável, por sugerir uma forte preocupação dos mandatários com os legítimos anseios da sociedade, na prática, tal procedimento mostra-se inadequado, por ineficiente, lento e, conseqüentemente, dispendioso.

Já temos tido provas insofismáveis desta inadequação nesses dois anos de governo do PT. Basta lembrar os escassos resultados obtidos até aqui na área social, justamente de onde mais se esperava dele, e na qual há vários ministérios, órgãos, assessorias especiais e grupos de trabalho envolvidos. As dificuldades encontradas na efetivação das ações do programa Fome Zero, no início a menina-dos-olhos do governo, constituem exemplo emblemático da ineficiência do modelo de gestão adotado.

Ao chegar ao poder e optar pela manutenção do modelo ''assembleísta'' no processo de decisão, o PT esqueceu-se de que a democracia representativa é justamente a forma encontrada para que os mandatários da nação, eleitos pelo povo, legitimamente, possam em nome dele tomar decisões e governar com eficácia.

A democracia direta, onde os cidadãos tomam parte em toda e qualquer decisão, só existe em tese ou nos cantões suíços, onde a população é reduzida e os problemas, bem mais simples. Mesmo na Grécia clássica, onde está sua origem, ela nem sempre prevaleceu, tendo, inclusive, sido a causa de graves conturbações sociais que ocasionaram a tomado do poder por um tirano.

No complexo Brasil de hoje, com grande extensão territorial, elevado número de habitantes e enorme diversidade social, a governabilidade depende da consolidação da democracia indireta, como ocorre na maior parte dos países ocidentais desenvolvidos. Trata-se, é claro, de um regime imperfeito, mais ainda assim o melhor que já se concebeu. Qualquer proposta que tenha por fito aprofundar um modelo de governo que incorpore mecanismos do assembleísmo, em detrimento da valorização dos institutos da democracia indireta, só pode ser explicada pela ingenuidade intelectual. Quando esta proposta parte de um integrante do governo, a surpresa torna-se ainda maior, por nos levar à conclusão de que o PT não vem levando a sério a lição de identificar e corrigir seus erros de gestão.

O ministro da Educação, Tarso Genro, decidiu agora trabalhar em prol do que ele chama de ''radicalização da democracia''. Não que as questões educacionais estejam devidamente equacionadas (muito pelo contrário), mas é que ele acha fundamental ''a livre circulação de idéias''. A tese está defendida em seu novo livro, Esquerda em processo, e prevê, segundo matérias publicadas na imprensa, a participação direta da população nas decisões do governo por meio de plebiscitos e referendos, além de recall para o presidente da República (a exemplo do que ocorre na Venezuela, país, aliás, de nenhuma tradição democrática e fragilíssima estabilidade institucional) e de controle externo dos atos administrativos do Poder Judiciário. O ministro ainda não entendeu que a democracia não deve ser radical (o que seria um contra-senso), mas serena. E eficiente! Com suas idéias, tudo o que conseguirá é criar uma bomba-relógio para a governabilidade do Brasil.