Título: Jovens demais a serviço da criminalidade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 06/12/2004, Brasília, p. D-3

A criminalidade se alastra sobre a juventude do DF, arregimentando cada vez mais adolescentes. Dados alarmantes revelam que, em outubro último, 74% das 232 pessoas presas pela polícia tinham menos de 18 anos, ou seja, 172 menores. No mesmo mês, 324 jovens entraram no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). O número é 136% maior de que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 137 menores foram internados. Na tarde da última quarta-feira, o secretário de Ação Social, Gustavo Ribeiro, estava em seu gabinete trabalhando diante de uma mesa coberta por papéis. Eram 15h30 quando uma de suas assessoras, sem bater à porta, entrou na sala e colocou sobre o monte de folhas mais um documento. Tratava-se de um ofício enviado por Iolete Macedo, diretora do Caje. Por meio do documento, Iolete revelou sua preocupação ao secretário a respeito da instituição, diante do grande número de adolescentes que vem recebendo diariamente.

- Ela está preocupada com superlotação. Por mais que o Estado se esforce, é difícil acompanhar esse ritmo (de prisão de adolescentes) - comenta Gustavo Ribeiro.

Até a última quinta-feira, a Secretaria de Ação Social (SAS) atendia exatamente 862 jovens em liberdade assistida, 107 em semi-liberdade, 361 internados no Caje e outros 120 internados no Centro Sócio-educativo Amigoniano (Cesami). Ao todo, são 1.410 adolescentes em conflito com a lei. Garotos que deveriam estar na escola, praticando esportes e trabalhando, mas acabaram nas ruas, roubando, envolvidos com o tráfico de drogas, estuprando e até matando.

Dados fornecidos pela Polícia Civil revelam que, em outubro, de cada quatro pessoas presas no DF, três ainda não haviam alcançado os 18 anos. A polícia capturou 60 bandidos adultos e 172 jovens delinqüentes. Para o delegado-chefe da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), José Adão Rezende, a atuação da polícia melhorou um pouco, mas o que realmente acontece é que a quantidade de adolescentes envolvidos em crimes aumentou e continua a crescer.

O crime que mais levou menores de 18 anos à delegacia no período em questão foi o roubo (104 jovens). Isso representa 60,4% do total de adolescentes presos. O roubo também é o crime mais incidente entre os adultos presos em outubro. Foram 39 prisões (65% do total).

Narcotráfico - Na avaliação de José Adão Rezende, a droga é a força motriz da juventude bandida. Para o delegado, é ela quem abre as portas do mundo do crime para tantos rapazes e algumas moças. Para se ter idéia, em outubro, o número de adolescentes apreendidos por envolvimento com drogas foi 640% mais alto de que o registrado entre adultos. Ao todo, 12 jovens pararam em delegacias por tráfico e 25 por uso e porte. Já no time dos adultos, foram quatro prisões por uso e porte e apenas uma por tráfico.

Tal disparidade entre maiores e menores, no que se refere ao narcotráfico, é simples de se explicar. Um adulto, quando preso em flagrante por tráfico, pode pegar entre 3 e 15 anos de prisão, e sem regalias, uma vez que o crime é hediondo. Já o adolescente, quando preso nas mesmas circunstâncias, raramente passa uma noite internado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê internação apenas para aqueles que praticam crime violento ou com emprego de grave ameaça. A frouxidão faz com que jovens sejam peças fundamentais no jogo sujo do tráfico de drogas.

- É muito comum adultos (traficantes) recrutarem adolescentes para poderem se isentar. Começa com o uso de drogas, depois vem a idéia do assalto, e assim por diante - diz o delegado da DCA.

Em outubro, oito adultos e três adolescentes foram presos por homicídio. A situação se inverte quando o crime é tentativa de homicídio: três adultos foram presos por esse crime, já adolescentes, foram 15.

- Tem a ver com a droga. O que eu percebo é que os jovens usam drogas, principalmente maconha, merla e álcool, e vão tentar matar alguém. Embriagados, acabam não conseguindo. São rixas, desentendimentos, é banal a motivação entre os adolescentes. Diferente dos adultos. Eles têm motivos mais fortes. O adulto não usa droga quando vai matar, e por isso, ao fazer, consegue - analisa.