Título: Justiça força abertura de arquivos
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2004, País, p. A3

Decisão do Tribunal Regional Federal obriga o governo a revelar, em 120 dias, locais onde foram enterradas as vítimas

O governo terá de fornecer todas as informações sobre os mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, que ocorreu entre abril de 1972 e janeiro de 1975. Resolução tomada ontem pela Justiça determina que a União é obrigada, num prazo de 120 dias, a indicar os locais onde foram enterradas as vítimas, para que sejam emitidos atestados de óbitos e providenciados os translados dos restos mortais. Se não cumprir a decisão, o governo pagará multa diária de R$ 10 mil.

A decisão tomada ontem pelos três integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirma a sentença da juíza federal Solange Salgado, que atendia ao pleito de 22 familiares de desaparecidos na guerrilha, e estava sendo contestada em recurso da Advocacia-Geral da União.

O voto veemente e extenso - mais de duas horas - do relator, desembargador-federal Souza Prudente, foi seguido por seus colegas Daniel Paes Ribeiro e João Carlos Mayer (substituto).

Por dois votos a um (vencido Paes Ribeiro), ficou decidido que o desembargador-relator vai se reunir, até o dia 15, com os ministros da Defesa, da Justiça, com o advogado-geral da União, os chefes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, e com os advogados dos familiares das vítimas, a fim de discutir como serão, na prática, abertos os arquivos da Guerrilha do Araguaia.

A Advocacia-Geral da União vai estudar se ainda recurso ao Supremo Tribunal Federal, mas tudo indica que acatará a decisão do TRF, conforme avaliação do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), advogado dos familiares dos mortos e desaparecidos. Entretanto, ontem Greenhalgh não fez a sustentação oral por que parlamentares não podem atuar em processo contra a União.

O deputado admitiu sua contrariedade com o fato de o governo do PT continuar a protelar a abertura dos arquivos do Araguaia. Lembrou uma frase da canção interpretada por Maria Bethânia: ''É inútil dormir, que a dor não passa''.

O desembargador federal Souza Prudente - que já determinara que o processo deixaria de correr em segredo de justiça - afirmou em seu voto que a União é ''claramente responsável'', de acordo com os autos, pelo que se chama de ''desaparecimento forçado de pessoas, crime permanente, que só tem fim quando revelado o destino dos desaparecidos e esclarecidos todos os fatos''.

Souza Prudente citou vários tratados e convenções internacionais - inclusive a Convenção de Genebra, que também é válida para prisioneiros de guerrilhas e não apenas de guerras entre países. Acusou o Estado brasileiro de continuar a negar informações sobre as condições em que foram mortos os ''revolucionários do Araguaia'' e a localização de suas ossadas.

- Os repressores do Exército na época da ditadura têm de esclarecer quem eram os mortos ou desaparecidos, se todos eram guerrilheiros ou se foram também vitimados habitantes da região. As Forças Armadas não podiam atuar, como atuaram, na clandestinidade, como se fossem guerrilheiros. Corpos sem vida não podem andar, e a União tem de informar sobre o destino das vítimas do Araguaia. Estamos diante de gravíssimas violações dos direitos humanos, não só dos que desapareceram, mas também dos seus familiares - disse o juiz-relator.