Título: Festejar? Só nos salões
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2004, Outras Opiniões, p. A11

O governo Lula constrói superavits superiores aos exigidos pelos predadores internacionais, surrupiando à saúde e à educação públicas os recursos devidos

Estamos em tempos de ufanismo nacional. O IBGE, por tanto tempo visto como suspeito pelos órgãos encarregados da propaganda governamental, agora é o aliado incondicional. Chega a rever índices de 2003 para informar que não houve redução do PIB, mas crescimento, sem dizer quem pediu a revisão de índices já consolidados. Tudo bem. Admitamos que esteja tudo indo de vento em popa, como cantam os operadores do ''mercado''. Que a reativação da economia brasileira não tenha nada a ver com uma balança comercial vulnerável, dependente dos humores da conjuntura internacional. Então, por que o presidente Luis Inácio só canta loas à sua irreversível política econômica em ambientes fechados; quase sempre em atos promovidos por entidades empresariais? Por que se recusa a participar de atos públicos, em manifestações que antes frequentava até com assiduidade, quando não com autoridade hierárquica? A ausência nas despedidas a Celso Furtado já havia chamado a atenção. A da Conferência Nacional Terra e Água, em Brasília, também merece registro. Mais surpreendente foi a do Encontro de Fé e Política, onde pontificaram, neste fim-de-semana em Curitiba, seu chefe-de-gabinete, Gilberto Carvalho, e seu confessor particular, Frei Betto. Que, aliás, o haviam convidado para o evento.

A resposta pode ser encontrada em vários escaninhos. De pronto, no do já saudoso mestre Furtado, que mereceu visita exclusiva durante a campanha presidencial, e abandono após a posse, por não concordar com as opções continuístas da Fazenda e do Banco Central. Em suas declarações, ainda no início dos anos 80, quando o overnight enriquecia especuladores da noite para o dia, ele já afirmava premonitoriamente: ''Crescimento com alta taxa de juro é garantia de concentração de renda''. E estão aí os dados do próprio IBGE, a constatar que a ligeira retomada recente de postos de trabalho não elevou a renda média dos assalariados. Pelo contrário, diminuiu.

Mas no próprio Banco Mundial, cuja cumplicidade com o FMI na defesa incondicional do monetarismo conservador do governo Lula é incontestável, há outros indícios.

Em abril deste ano, documento da lavra de seu corpo técnico informava que a situação de miséria no Brasil deveria persistir por muito mais tempo na comparação com o resto do mundo, mesmo que o país voltasse a crescer a taxas muito mais elevadas do que as atuais. E persistiria por conta da concentração de renda, cujo nível se constituía em óbice adicional à redução do índice, no conjunto do continente. Ou seja: o crescimento só favoreceria a quem tivesse acesso aos privilégios dessa política de juros altos - os especuladores do mercado financeiro, particularmente. O outro gargalo apontado pelo documento do Banco Mundial seria o endividamento público, outra barreira contra uma mais justa distribuição de renda.

A resposta do governo Lula a esses dois índices pode ser a causa da ausência em ambientes que antes freqüentava. Na questão da dívida externa, enfrentou-a da forma menos esperada por quem apostou na esperança contra o medo. Sem ousadia. Resolveu pagá-la à custa do calote inaceitável no endividamento social. Seu governo constrói superavits superiores aos exigidos pelos predadores internacionais, surrupiando à saúde e à educação públicas os recursos que lhes são devidos. Assim como atropela investimentos em obras públicas essenciais, e mantém as velhas formas de privatização, com novos métodos - as Parcerias Público-Privadas, a serem instaladas nas já anunciadas licitações para entrega das rodovias federais aos grupos privados. Tudo para não incomodar os supostos credores internacionais.

Quanto às taxas de juros, sem comentários. Até os ministros preferidos de Lula as contestam. Só agradam aos banqueiros e especuladores com títulos do governo. Os beneficiários do capitalismo sem risco.

Pelo acima narrado, ficam então evidentes as razões da blindagem de Lula contra a simples presença em locais acessíveis aos comuns dos mortais: medo de vaia, quando não de ovos e tomates.

Porque uma coisa é o ufanismo do grande capital. Outra coisa é a conta do champanha da celebração ser paga pelos que vivem de emprego instável, ou salário em queda permanente.