Título: Jerusalém domina o último ato
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 08/01/2005, Internacional, p. A7

A campanha eleitoral à sucessão da presidência da Autoridade Nacional Palestina (ANP) foi encerrada ontem tendo Jerusalém como pano de fundo. Em seu último comício, em Al Ram, aldeia palestina nos arredores, o candidato do movimento Al Fatah, o ex-primeiro ministro Mahmoud Abbas, favorito para vencer o pleito de amanhã, abordou a situação da cidade santa como a futura capital do Estado palestino. Já o segundo colocado, o médico e ativista de direitos civis Mustafa Barghouti, foi preso quando tentava cruzar as muralhas para um discurso político.

- É verdade que não visitamos hoje Jerusalém, mas no futuro chegaremos a ela porque se trata da capital do Estado palestino. Viremos como pessoas livres, e aos milhões - afirmou Abbas.

Al Ram entrou no roteiro substituindo a ida à parte árabe da cidade, sob estrita vigilância militar. Uma visita sob escolta israelense, por temor de ataques de radicais judeus, seria um embaraço para o líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Abbas, que anunciou a intenção de manter o atual primeiro-ministro da ANP, Ahmed Qorei, no cargo, se eleito, afirmou ainda que pedirá ao governo de Ariel Sharon que recue as tropas até a linha que ocupavam em 2000 e que interrompa a expansão de assentamentos na Cisjordânia.

- Não tenho certeza de que uma solução virá, mas não tenho outra alternativa a não ser convencê-lo das minhas idéias. Se falhar, veremos o que acontecerá - acrescentou Abbas.

Se depender dos moradores das apertadas vielas de Jerusalém, a ausência dos postulantes à presidência da ANP não reduziu a disposição de votar.

- É importante e tem significado. É nossa forma de dizer ao mundo que somos palestinos, vivemos aqui e esta será um dia nossa capital. Não daremos a Israel a oportunidade de dizer que a cidade é deles - declarou Ahmad Fadel Tahboub, na porta do correios da rua Salah el Din, onde depositará seu voto.

Nascido ali há 58 anos, este palestino membro do Fórum Paz e Democracia, que busca um entendimento com as autoridades israelenses, admite que muitos de seus vizinhos e amigos não votarão por medo dos militares e policiais.

Tahboub aponta a porta lateral, onde fica sempre uma patrulha israelense.

- Confiamos nos observadores internacionais porque sabemos que os colonos israelenses virão com a intenção de impedir nosso voto - destaca, por sua vez, Lutfi Daoud, um aposentado de 68 anos que também pretende participar do pleito.

Os palestinos sonham em tornar Jerusalém, terceira cidade santa do Islã, sua capital. Mas o local é considerado também por Israel sua capital indivisível. A comunidade internacional não reconhece a ocupação e anexação em 1967. No total, quase 250 mil palestinos vivem em Jerusalém Oriental, sendo que 120 mil votam.

Israel autorizou a eleição, mas os cinco postos do correio de Jerusalém Oriental preparados só acolherão seis mil pessoas, de acordo com a Comissão Eleitoral Central (CEC).

- Não serão eleições justas, transparentes e livres - apontam integrantes da comissão.

A outra opção será a de votar nos colégios eleitorais da Cisjordânia, alguns bem próximas à cidade santa.

- Tenho medo de problemas, mas quero participar como uma cidadã. Vou a Al-Ram onde vive minha família - explica Noor, uma jovem dona-de-casa palestina.

Há os que, desencantados com a ocupação, seguirão o boicote dos radicais do Hamas (que tem um quiosque de propaganda em plena via Dolorosa) e da Jihad Islâmica.

- Isto não é democracia... O que importa se vence um ou outro? Estas eleições são uma farsa - assegura Mohamad Al Touri, um estudante de informática de 21 anos. Ao seu lado, Daoud tenta convencê-lo.

- Não votamos há quase nove anos. As eleições são o primeiro passo, a forma de dizer que queremos seguir vivendo aqui e a oportunidade de recuperar pouco a pouco Jerusalém - diz ele, que votará em Abbas.

- Não é o melhor líder que podemos desejar, mas é o homem adequado para os tempos atuais... o único que pode empurrar as conversações de paz - frisou.