Título: Automedicação é campo minado
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 11/01/2005, Saúde & Ciência, p. A12

O Brasil é o país não só dos milhões de técnicos de futebol, mas também dos milhões de médicos amadores. No primeiro caso, a suposta autoridade se resolve em discussão de bar. No segundo, as conseqüências são bem mais graves: a automedicação é um esporte de risco. Isso ocorre em grande parte porque a maioria dos brasileiros tem problemas de acesso ao atendimento de saúde e muitas vezes não tem condições financeiras para arcar com os tratamentos prescritos.

A lista de perigos é extensa sa: desde efeitos adversos, como diarréia, tonturas, enjôos e vômito, ao agravamento do problema de saúde. Joyce Pena, de 47 anos, já teve uma alergia a uma pomada dermatológica que causou vermelhidão e piorou a inflamação.

Além disso, a ingestão inapropriada pode anular a eficácia de medicamentos. Os antibióticos ampicilina e tetraciclina não devem ser tomados com leite. Não se recomenda ingerir pílulas anticoncepcionais com antiácidos. Qualquer remédio deve ser tomado com água, o que facilita a ingestão e a absorção pelo organismo.

A facilidade de comprar medicamentos nas farmácias brasileiras acaba também contribuindo para a automedicação. A pediatra Áquila Regina Pinheiro conta que se deu conta disso quando ficou doente durante uma viagem à Suécia:

- Tive que comprar um remédio desses que todo mundo conhece e foi a maior dificuldade. Precisei mostrar a minha carteira de médica e conversar muito com o farmacêutico até convencê-lo a me vender o remédio.

É necessário evitar acima de tudo a precipitação e não dar ouvidos aos ''achismos'' de amigos e vizinhos. Ao detectar qualquer problema de saúde, o procedimento correto é procurar um médico.

Para informar melhor os pacientes sobre o uso de medicamentos, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinaram a partir do ano passado a simplificação das bulas, na tentativa de torná-las acessíveis ao consumidor leigo.

- A medida vai ajudar a orientar melhor o uso dos medicamentos. Os textos das bulas tinham uma linguagem técnica de difícil entendimento para a população - afirma o chefe da Unidade de Farmacovigilância da Anvisa, Murilo Freitas Dias.

Nessas bulas, que estão em processo gradativo de implementação, foram tiradas informações técnicas para dar mais espaço a explicações, por exemplo, sobre como usar o medicamento e as contra-indicações.

Os remédios de venda livre, que não precisam de prescrição médica, também podem ser perigosos.

- Uma criança, paciente minha, tomou dipirona (analgésico) durante alguns anos e adquiriu a síndrome de Steven Johnson. É um efeito alérgico grave em que ocorre a descamação da pele - conta Áquila.

Anísio Martins da Silva, 72 anos, cuida bem de sua saúde, sempre consulta um médico e não deixa de ler a bula.

- Quero chegar aos cem anos, por isso tenho que me cuidar. Conheço uma pessoa que tomou um remédio inadequado e teve convulsões - justifica.

As reações adversas podem decorrer também do uso não descrito na bula (off label). A flutamida, por exemplo, é indicada para câncer de próstata. O uso da substância no tratamento de acne e queda de cabelo de mulheres foi condenada pela Anvisa depois de provocar quatro mortes por hepatite.

O problema não é só da automedicação, o uso incorreto pode ser decorrente também de um desconhecimento do médico em relação a alergias do paciente e a falta de atenção a dose prescrita.