Título: Os novos vôos do Fórum Social Mundial
Autor: Gisele Teixeira e Caio Cigana
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, País, p. A2

A quinta edição do Fórum Social Mundial (FSM), de 26 a 31 de janeiro, em Porto Alegre, tende a ser a última no atual formato. A organização estuda realizar o evento em diversas regiões do planeta, de forma simultânea, a partir de 2006. Um dos objetivos é fazer com que o encontro seja menos elitista. O outro tem cunho logístico. O fórum não ''cabe'' mais em apenas uma cidade. Cerca de 150 mil pessoas devem participar das discussões na capital gaúcha, contra 20 mil da primeira edição.

- Esta proposta, que não é a única, será discutida pelo conselho internacional do evento, nos dias 24 e 25 - diz Cândido Grzybowski, diretor geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), umas das entidades organizadoras do FSM.

O evento seria intercalado por um encontro fixo, a cada dois anos, para recarregar as baterias. O de 2007 tem tudo para ser na África, o continente que apresentou menor participação nos encontros até agora, tendo Marrocos como forte candidato a sede. Mas países do Leste Europeu, da América Central e do Oriente Médio também têm interesse em receber o FSM.

Fica a dúvida sobre a volta do Fórum para o Brasil, e também para Porto Alegre. As especulações indicam que, com a derrota do PT nas últimas eleições municipais na capital gaúcha, outras cidades poderiam sediar o FSM. As mais cogitadas são Belo Horizonte e Recife, ambas com administrações petistas.

No entanto, o secretário municipal de Coordenação Política e Governança Local de Porto Alegre, Cesar Busatto, diz que a prefeitura quer garantir a realização do evento na cidade nas próximas edições.

- O fórum é uma conquista do município e queremos que Porto Alegre seja a cidade de referência, seja qual for o partido no poder - pondera o secretário.

Outra discussão diz respeito às conclusões do evento. Uma ala pretende que o fórum, hoje apenas um espaço de discussão, tenha mecanismos que resultem em propostas e ações a serem apresentadas à sociedade. Outros dizem que a tarefa de encontrar um consenso planetário é praticamente impossível. Melhor deixar como está.

O diretor executivo da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits), Paulo Lima, diz que possíveis alterações e são conseqüência de uma ''crise de sucesso'' do evento. E todas serão bem-vindas.

- O fórum nasceu grande, num momento em que a solidariedade mundial está em alta. É um evento em construção, que vai se beneficiando das experiências enriquecedoras dos anos anteriores - diz Lima.

Este ano, aliás, já vai apresentar uma ''cara nova'' em relação às edições anteriores. Foram três encontros no Brasil - de 2001 a 2003, e um em Mumbai, na Índia, em 2004. Para começar, as discussões ocorrerão ao longo de quatro quilômetros da orla do rio Guaíba, e não mais nas dependências da Pontifícia Universidade Católica (PUC).

Além disso, as chamadas grandes atividades, como conferências, painéis e mesas de diálogo e controvérsia, que antes eram sugeridas pelo comitê internacional, foram definidas a partir de consultas.

Entre maio e julho de 2004, 1.860 organizações responderam, pela internet, quais os temas que gostariam de ver debatidos. A preferência foi, disparado, para discussões sobre direitos humanos. Das 2,5 mil atividades, 600 estão relacionadas a este assunto.

As mudanças visam diminuir a elitização do evento, detectada após pesquisa feita pelo Ibase na Índia, com 3,5 mil participantes. Desse total, 63% possuíam grau superior completo, contra 37% registrados em Porto Alegre. Dos 71 mil delegados, 91% eram indianos e de países vizinhos. Em relação às outras regiões, o Brasil compareceu com a maior delegação, 854 pessoas, seguido pelos Estados Unidos (772).

- Somos a elite das organizações e movimentos sociais. Se as pessoas não têm dinheiro para ir ao fórum, o fórum terá de ir às pessoas - diz Grzybowski, justificando a realização de eventos simultâneos.

Este processo vai começar já em Porto Alegre, com a mudança de local. A PUC, segundo Grzybowski, estava muito identificada como um espaço de elite, em termos de custo e gestão por parte dos organizadores.

- A população das vilas e favelas de Porto Alegre, acostumada a discussões coletivas, como o Orçamento Participativo, não aparecia nos eventos - comenta Grzybowski, acrescentando que o FSM vai servir, a este público, 20 mil refeições por dia.

A organização do FSM também não vai gastar nem um tostão com passagens e estadias de convidados ilustres -valor que girava em torno de US$ 500 mil. Este dinheiro será utilizado de outra forma.

Grzybowski informa que uma parte, por exemplo, custeará a vinda ao Brasil de indígenas da América do Sul e Norte. Outros US$ 35 mil serão usados para trazer indianos e paquistaneses ao evento. De todas as capitais brasileiras sairão ônibus subsidiados em direção ao Rio Grande do Sul. O orçamento para a parte administrativa do evento é de R$ 14 milhões.

Os números do Fórum Social Mundial são um show à parte. A começar pela comunicação. Para que a babel de participantes oriundos de mais de 120 países possam conversar entre si, um batalhão de 1.200 tradutores, todos voluntários, já está a postos.

Outros 800 trabalhadores da agroindústria e do setor de hortifrutigrajeiros vão garantir o abastecimento de alimentos, com produtos da agricultura familiar e da economia solidária. E serão realizadas mais de mil atividades, entre oficinas, encontros e palestras.