Título: ''O populismo está em crise''
Autor: Godofredo Pinto
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, País, p. A3

Em 1979, quando já era uma figura conhecida nacionalmente, Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um convite para participar de uma assembléia des professores, então em greve no Rio. A proposta partiu do líder da categoria na época, o professor de matemática Godofredo Pinto. Lula foi aclamado, mas o professor foi preso, pouco depois: o Dops queria saber o que um dirigente metalúrgico do ABC estava fazendo numa assembléia de professores fluminenses. É em torno desses episódios que nasce uma longa e amistosa convivênca entre o hoje presidente da República e o prefeito de Niterói, fundadores históricos do PT. Dos tempos de militância sindical, Godofredo preservou uma outra amizade: a do ministro Luiz Dulci, seu companheiro na montagem do poderoso Centro Estadual de Professores. O prefeito conta com esses preciosos trunfos na tarefa já iniciada de construir uma forte candidatura do que chama de ¿campo popular e democrático¿ para a eleição estadual de 2006. Quer entrar no vácuo do populismo, que, em sua avaliação, está em crise no estado. Dividindo tarefas com o prefeito Lindberg Farias, de Nova Iguaçu, também começa a preparar terreno para edificar uma base de apoio à reeleição de Lula. As conversas com prefeitos do PT e de outros partidos se intensificam em torno de uma agenda comum. O principal estímulo é o resultado da eleição.

¿ Tínhamos uma prefeitura e 40 mil pessoas para governar. Hoje o PT do Rio conta com oito prefeitos e uma população de quase 2 milhões ¿ comemora.

- A candidatura em Niterói também era um projeto do Planalto, como no caso de Lindberg Farias, ou foi espontânea?

- Foi um processo natural, sem interferências. Assumi a prefeitura quando Jorge Roberto Silveira se licenciou para concorrer ao governo do estado e tive uma excelente avaliação. A uma semana da eleição, o DataUff me dava 83% de aprovação. E isso tudo apesar de enfrentar a poderosa máquina do governo do estado.

A sua trajetória política mostra, no entanto, que o senhor não é um político cartorial, centrado em Niterói.

- É verdade. Saí da vida sindical em 1987 e os três mandatos que exerci como deputado estadual foram com votos de todo o estado. Só consolidei um vínculo maior com Niterói, onde moro há 31 anos, quando me candidatei a prefeito em 1992 e cheguei em segundo lugar. Desde os tempos de sindicalista andava por todo o interior. Tenho amigos e e votos no Rio, em Niterói e em praticamente todos os municípios.

- Um bom perfil para um candidato a governador do estado...

- Não há dúvida (risos). Há pessoas no PT que pensam na minha candidatura a governador. Todo político tem os seus planos, mas às vezes esses planos precisam se adequar à realidade. Nunca devemos usar palavras ou expressões como ''jamais'' ou de ''jeito nenhum''. Mas, sinceramente, meu objetivo é completar o mandato como prefeito e me candidatar a senador em 2010

Como o senhor vê o quadro político do estado com vistas às eleições de 2006?

- Ainda é cedo para estabelecer cenários, mas, em resumo, temos três campos principais. A chamada direita moderna, de origem lacerdista, com um discurso técnico-gerencial, capitaneada pelo prefeito Cesar Maia. Outro é um campo mais voltado ao populismo, representado pela atual governadora e o ex-governador Anthony Garotinho. E há um terceiro, no qual me insiro, que é o democrático-popular, sintonizado com o governo Lula. Diria que não há um candidato natural no meu campo e no de Cesar Maia. Na área do PMDB, o nome do senador Sergio Cabral já aparece de maneira mais clara.

- Fala-se numa frente do PFL, de Cesar Maia, com o PT, contra o PMDB de Garotinho.

- Acho pouco viável. Além das diferenças ideológicas, há impedimentos legais. O PT não pode se coligar com o PFL no estado e ser adversário no plano nacional.

Comenta-se também a possibilidade de o senador Sérgio Cabral se desgarrar do grupo político do ex-governador Anthony Garotinho e concorrer com o apoio do PT.

- Se o PMDB permanecer alinhado com o PT no plano nacional, pelo menos não haveria impedimento legal. Não podemos esquecer, no entanto, que o PT fluminense tem um histórico de alianças traumáticas, que não deram certo e produziram sérios desentendimentos. Isso exigiria muito debate, muito diálogo.

Os avanços do PT fluminense ocorreram na periferia do Rio e no interior. Na capital, o partido continua muito frágil...

- O PT, em todo o estado, e não apenas na capital, é uma das mais débeis e problemáticas seções partidárias do país. Nacionalmente, o partido representa a luta pela democracia social, a defesa dos humildes. No Rio, com a eleição de 1982, o brizolismo tomou conta esse espaço natural do PT, posteriormente ocupado pelo grupo de Anthony Garotinho. Por isso, nunca elegemos um prefeito da capital. O populismo esvaziou o PT.

A situação está mudando?

- Felizmente, sim. Em 2000 só elegemos o prefeito de Paracambi, que tem 41 mil habitantes. Na última eleição, saímos de 41 mil para quase 2 milhões de cidadãos governados por nós, em oito municípios. Em qualquer região do estado há pelo menos um prefeito do PT. Entramos no vácuo do populismo, que está em crise no estado.

Qual o discurso que o PT traz para essa gente que mudou o voto?

- Estamos numa bom momento para aumentar ainda mais nossa representatividade e disputar, com fortes chances, a sucessão estadual. O nosso discurso, assim como do futuro candidato ao governo, estará sintonizado com o do presidente Lula, que faz um governo muito bem avaliado e é um candidato poderoso à reeleição. Diremos ao eleitor que chegou a vez de o Rio ter um administrador parceiro, e não de confrontação com o governo federal, uma posição que só serve para afugentar empresários e investimentos.

Essa estratégia só terá sucesso se a reeleição de Lula se concretizar.

- Claro. Sem a reeleição nada disso funcionará. Mas estou convencido de que o presidente será o candidato mais forte para a eleição de 2006.

No PT do Rio há um forte grupo que critica a política econõmica e algumas alianças do governo Lula.

- Sou do campo majoritário do partido, o de José Dirceu e José Genoino, e dou integral apoio ao governo Lula, que tem nos ajudado muito em Niterói. A visão do campo majoritário é a de governar para todos, sem discriminações, com uma política aberta a alianças, a um diálogo plural, respeitados princípios programáticos e éticos. Quanto à política econômica, entendo que chegou a hora do desenvolvimento econômico, com distribuição de renda e ênfase nas políticas sociais. Já foi virada a página da fase de sacrifícios.

- Além das críticas, o PT da capital é marcado por profundas dissensões internas.

- O PT do município do Rio precisa se pacificar, exercitar o diálogo interno. Com brigas, não haverá avanços. Espero que vença o espírito de unidade. O sucesso une, a derrota desagrega, e o PT da capital historicamente é derrotado. Há uma debilidade crônica que só pode ser superada com um acordo interno e um amplo diálogo com outras forças expressivas da cidade.

Como está sendo montada a operação de fortalecimento do partido no interior do estado?

- O Lindberg já está fazendo isso na Baixada e eu venho atuando em outras regiões. Inicialmente, vamos conversar com todos os prefeitos do PT, para, juntos, promover uma interlocução com o governo federal, levando as principais reivindicações dos nossos municípios. Ao mesmo tempo, os prefeitos serão inseridos num amplo debate com vistas à formulação do programa de governo para 2006. Num segundo momento vamos discutir essa agenda com prefeitos de outros partidos

- Há tarefas imediatas?

- Vou me colocar diante dos prefeitos e das forças políticas fluminenses como alguém que está disposto a abrir portas em Brasília Temos por exemplo a questão da rodovia BR-101, que está em petição de miséria, prejudicando dezenas de municípios importantes. Nosso objetivo é tornar viável a terceirização da operação da estrada, para recuperá-la. Estou fazendo reuniões com esse objetivo. Também estou reunindo os prefeitos de São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, Tanguá, Rio Bonito e Silva Jardim para discutir a formação de consórcios municipais que melhorem a prestação de serviços comuns às nossas cidades.

Ampliando a escala, qual é a agenda para o Estado do Rio, na sua visão?

- O eixo central é o desenvolvimento econômico com geração de emprego, e as nossas vocações melhor aproveitadas e potencializadas. Há áreas no interior propícias ao desenvolvimento da agricultura e outras voltadas para o turismo. A indústria naval off shore também deve ser estimulada.

O saneamento persiste como problema grave em muitas regiões.

- A Cedae não tem dado conta do recado. O que precisamos é estender aos outros municípios o que fizemos em Niterói. Substituir a Cedae por parcerias com empresas privadas. Niterói tem todas as suas regiões abastecidas com água e 75% cobertas com saneamento. Com a ajuda do governo federal, que tem linhas de financiamento específicas, podemos mudar esta situação.

- E quais os planos para Niterói?

- Como o Rio, Niterói está espremido entre o mar e a montanha e por isso tem sérios problemas de trânsito, agravados com o alto custo das soluções. Estamos entrando com um pedido de R$ 51 milhões no BNDES para o nosso plano diretor de trânsito e transportes, que prevê cinco terminais de integração van-ônibus, ligação viária Charitas-Região Oceânica, garagens subterrâneas, ampliação da Alameda São Boaventura e a criação da Companhia de Engenharia de Tráfego. Na Saúde gastamos 22%, quando a lei determina 15%. Estamos acabando de construir uma unidade de emergência na Região Oceânica, duas policlínicas e uma maternidade. Sem falar no êxito do programa Médico de Família. Niterói é a terceira melhor cidade do país, pelo Índice de Desenvolvimento Humano.

Mas a segurança virou problema sério.

- Muita gente saiu do Rio para morar em Niterói, em busca de tranqüilidade. Só que foram retirados 250 policiais militares da cidade. O nível de segurança, de fato, diminuiu. O Ministério Público está questionando esta decisão. Vou procurar a governadora e expor a situação. Já mostrei, com exemplos concretos, que quero cooperar com o estado. Municipalizei escolas estaduais e construí um quartel do Corpo de Bombeiros para doar ao estado. Sou um homem de diálogo. Não quero o confronto.