Título: O supérfluo e o essencial
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, Opinião, p. A10

Taxiando nas pistas da irracionalidade e da crítica fácil, a ruidosa polêmica sobre a aquisição do Airbus que transportará o presidente Lula tem, infelizmente, esquecido o óbvio: O Boeing 707 da Força Aérea Brasileira (FAB), conhecido como Sucatão, está suficientemente obsoleto para conduzir a mais alta autoridade da República. Embora confortável, faltam-lhe condições de segurança compatíveis com as exigências internacionais - mais ainda para o transporte de um chefe de Estado. Fabricado em 1958, com 25 anos de vôo na Varig e uma quinzena de anos a serviço da Presidência, o Sucatão deixou de ser seguro há bastante tempo. Acrescente-se, ainda, o alto consumo de combustível e o peso excessivo dos custos de apoio logístico pelas limitações dos sistemas de navegação e de comunicação da aeronave.

Não raro, causou constrangimentos e embaraços: dos incômodos ruídos ao pousar em aeroportos internacionais, aos sustos pregados aos passageiros, como no episódio no fim de 1999, quando a pane numa das turbinas exigiu pouso forçado em Amsterdã. O Sucatão transportava o então vice-presidente da República, Marco Maciel.

Tais razões justificam a compra do novo avião presidencial.

Os críticos da aquisição do Airbus 319, no entanto, questionam o alto preço e argumentam que um jato da Embraer custaria a metade dos US$ 56 milhões gastos no chamado AeroLula. Uma meia verdade. A empresa brasileira não fabrica aviões com as especificações da encomenda do governo. Tais exigências, sublinhe-se, decorrem das necessidades dos vôos internacionais do presidente - com específicos e rígidos equipamentos de segurança. Os aviões produzidos pela Embraer têm ainda autonomia de, no máximo, 4 mil quilômetros - a metade da exigência do governo brasileiro. Não à toa, a própria empresa retirou a proposta de venda.

São justificados, portanto, os argumentos do Planalto para a compra do Airbus (US$ 5 milhões mais barato do que um similar da Boeing). O próprio Lula, contudo, acabou estimulando a celeuma em torno do novo avião. As sucessivas demonstrações de deslumbramento afetam-lhe a imagem e alimentam intrigas sobre o gozo presidencial das benesses do poder.

Os exemplos são eloqüentes: vão da compra de roupões de linho egípcio e lã de cordeiros da Patagônia à transformação do Palácio da Alvorada em colônia de férias de amigos dos filhos do presidente. Típico caso em que o supérfluo respinga no essencial: o Airbus que transportará com segurança Lula e os futuros presidentes.