Título: Em nome da governabilidade
Autor: Paulo Lustosa
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, Outras opiniões, p. A11

Duas metas fundamentais resumem e justificam a existência de um partido político: a conquista do poder e a manutenção da governabilidade. Ao ser chamado a integrar o governo Lula, o PMDB viu-se diante de ambas. Responsável maior pela derrubada do regime autoritário e pela redemocratização do país, o partido, que tinha exercido papel periférico desde o final do governo Sarney, viu-se diante de nova oportunidade de implantação de suas bandeiras. Há, entre PT e PMDB, afinidades programáticas múltiplas, nem sempre reconhecidas e valorizadas. Não foi por acaso que ambos compartilharam os mesmos palanques em diversas campanhas cívicas, como a das Diretas-Já, da Constituinte e do impeachment de Collor. Ambos são partidos reformistas, com viés predominantemente centro-esquerdista.

Desde a posse de Lula, e com a opção clara por uma linha de ação reformista e centrista, que isolou os radicais, era inevitável a aproximação do PT com o PMDB. O PT não fizera maioria suficiente para governar sozinho e o PMDB mostrou-se disposto a garantir a governabilidade, desde que passasse a compartilhar do governo. Não se trata de corrida por cargos, embora inicialmente essa adesão tenha se resumido a pouco mais que isso.

O que está em pauta é a figura de um governo de coalizão, em que os partidos que o integram sejam de fato parceiros. O PMDB tem contribuição efetiva a dar. Tem história, mártires, discurso, causas. Possui um denso programa de reformas e, tanto quanto o PT, está empenhado em promover a inclusão social.

A eleição de Lula é uma oportunidade histórica singular. Pela primeira vez, a sociedade brasileira elegeu uma liderança oriunda da luta trabalhista de base. Ele representa a convergência de uma liderança aceita simultaneamente pelo povo, pela classe média e pela elite empresarial. Um eventual fracasso de seu governo representaria um perigoso desencanto. Democracia e desencanto social jamais convergem. Daí o nonsense, o teor predatório da ação de setores do PMDB contrários à permanência do partido no governo.

Além de desservir o país, esse comportamento desserve o partido. O PMDB é uma frente partidária, que se mantém numa espécie de equilíbrio instável, aparente paradoxo. Aparente porque a instabilidade é inerente a tudo na vida, inclusive ao equilíbrio. O do PMDB depende de um eixo de gravidade que una suas diferenças. Enquanto Ulysses Guimarães esteve presente, exerceu papel semelhante ao de Yasser Arafat diante da pluralidade palestina: era o traço de união, o fio condutor. Desde sua morte, o partido aprofundou suas contradições. Tornou-se uma federação de interesses divergentes, absorvido por questões regionais e desintegrado no plano federal. Isso o enfraqueceu e colocou-o na situação de ser simultaneamente o partido de maior capilaridade no país, e de não disputar eleições presidenciais, nem dispor de suficiente prestígio sequer para integrar na linha de frente o governo ou a oposição.

No governo Collor, foi amorfo. No governo Itamar, que era um de seus quadros, ficou a reboque do PSDB, que comandou as finanças do país e elegeu por duas vezes o sucessor. No governo FHC, ficou, também por duas vezes, a reboque de PFL e PSDB. Na sucessão que elegeu Lula, teve atuação esquizofrênica: uma ala apoiou e outra combateu o candidato vitorioso. Hoje, se fosse para a oposição, o partido estaria mais uma vez a reboque de PSDB e PFL e dos pequenos partidos de esquerda, como PDT e PPS. A presença no governo Lula é fator de integração. A história está oferecendo ao PMDB a oportunidade imperdível de resgatar e implantar suas bandeiras. Bandeiras que nos remetem a nossas figuras maiores, como Ulysses, Tancredo Neves e Teotônio Vilela. Foi, afinal, o PMDB o primeiro partido a falar em inclusão social. O governo Lula está comprometido até a medula com essas causas. E pede nosso apoio, nossa parceria para empreender essa missão. O que está em jogo não é esse ou aquele interesse regional. É o país, a sua governabilidade, o seu futuro, a sua gente. O PMDB não pode recusar esse chamado. Seria uma traição a si mesmo, que a História não perdoaria.