Título: ''Brasília entra no circuito das artes''
Autor: Paula Porto
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, Brasília, p. D3

Após angariar bons resultados com o mercado de filmes durante o 37º Festival de Cinema de Brasília ¿ que contou com 300 filmes à disposição de 35 compradores estrangeiros, rendendo 70 contratos ¿, o secretário de Cultura, Pedro Borio, lapida outros segmentos. Agora, quer valorizar o aspecto econômico fonográfico do DF. E, para isso, realiza, em abril, a 1ª Feira de Música Independente de Brasília. Em entrevista exclusiva ao JB, o diplomata paraense que está há dois anos à frente da Secretaria de Cultura, conta as estratégias para projetar nacionalmente boa parte da produção candanga com o festival. De acordo com ele, já existe no País uma total clareza sobre o impacto econômico e a geração de empregos que política de incentivo à cultura proporcionam É o caso do Complexo Cultural, na Esplanada dos Ministérios, que, lembra ele, está sendo totalmente construído apenas com recursos do GDF. A obra do Museu e seus principais resultados permitirão, diz o secretário, a inclusão de Brasília no circuito de artes plásticas do qual está praticamente fora. A biblioteca será inaugurada primeiro, em princípio no segundo semestre desde ano, promete. Já o Museu, no início do ano que vem.

- Em 2004, a cidade foi palco de grandes shows com ídolos da MPB, caso de Djavan, bandas de rock consagradas, como Paralamas do Sucesso e O Rappa, e até dos pais da música eletrônica, o grupo alemão Kraftwerk. Além disso, a capital, que está fora do eixo cultural Rio-São Paulo concentrou grandes espetáculos teatrais e de dança, caso do Ballet de Pequim, bateu recorde em vendagem de filmes no mercado internacional durante o 37º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e teve grande êxito com o Brasília em Alta. Como o Sr. avalia essa agenda lotada do DF em 2004?

- Eu diria que 2004 foi um ano muito produtivo. A cidade vive uma mudança de patamar na área da cultura, com uma intensa programação que partiu tanto por iniciativas da área pública, quando de alguns parceiros da área federal, como é o caso do Banco do Brasil e da Caixa Econômica, com uma presença muito forte. Vale apena mencionar ainda alguns parceiros ''tercerizados'', como o caso do Sesc, Sesi e produtores privados. Vimos, com satisfação, alguns eventos se consolidando e outros abrindo espaços. E, sobretudo, de espaços físicos sendo reutilizados como a Concha Acústica. Além disso, tivemos um marco na programação política no meio do ano e na época da seca, com o Brasília em Alta. O tradicional Porão do Rock e FotoArte mostraram fôlego e capacidade de permanência. O Brasília Music Festival, realizado em sua versão eletrônica e já com outro tipo de perspectiva reafirmou o seu sucesso. E novas iniciativas como a do Sesc, no teatro. Tudo isso contribui para uma densidade de programação importante e também uma força muito positiva de novas áreas que se incorporam ao setor da cultura, como o Pontão. Eu citaria ainda a continuação de um esforço de inclusão social, como levar a Orquestra Sinfônica para o público da periferia e complementar o trabalho nas bibliotecas no DF. Tivemos ainda uma ampliação razoável do Arte Por Toda Parte, um projeto fundamental de apoio ao artista local. O prosseguimento com mais fôlego do evento mais tradicional da cidade, que é o Festival de Cinema, que consolidou o mercado de cinema, hoje um sucesso, inclusive dando base para uma nova iniciativa da linha da economia da cultura que vai ser a Feira de Música Independente. E, sem dúvida, por último e talvez o mais importante, a evolução satisfatória do Complexo Cultural, na Esplanada.

- O Sr. cita com entusiasmo sempre o Festival de Cinema. É o ''menino dos olhos'' da Secretaria?

O Festival de Cinema tem papel fundamental para a capital. Hoje somos o terceiro maior pólo de cinema do Brasil, perdendo apenas para o Rio de Janeiro e São Paulo. Somos o único que temos o mercado internacional que, em 2003 foi um projeto piloto e em sua fase de teste teve de 20 a 30 filmes a disposição de compradores internacionais. O nosso festival é o grande festival do cinema brasileiro e por acontecer em Brasília, próximo ao Congresso, é também o grande festival político, no bom sentido. Estimamos que ocupamos uma lacuna ao criar esse lado econômico, apoiando o financiamento, projetando a imagem do nosso cinema. No primeiro mercado tivemos 15 compradores e todos fizeram algum negócio. Foi a maior venda de cultura brasileira feita de uma só vez. Ano passado, 32 compradores, entre eles quatro jornalistas altamente especializados, que ultrapassaram a barreira dos 70 contratos.

- Uma das maiores reclamações da classe artística da capital é que não há valorização do aspecto econômico nos eventos de cultura local. A Feira de Música Independente, que acontece em abril, vêm para mostrar o contrário?

- Em relação ao músico local, temos uma resposta importante a registrar. O Fundo da Cultura vem batendo recordes sucessivos. Subimos de R$ 2 milhões, há três anos, para R$ 4 milhões, em 2003, e para R$ 6 milhões, ano passado. E esse ano, inclusive, acredito que vá um pouco além. E ele, até estranhamente, se tornou quase que uma grande gravadora. Foram aprovados e financiados mais de 60 projetos. É notória a força do segmento da produção fonográfica e da música do DF, mas havia um consenso de que faltava um canal para que essa produção e criatividade, que já são muito fortes, pudessem ter um encontro com o mercado. A Feira será uma alternativa econômica que dará fôlego para ir além. E, ainda, com a vantagem de que, em vez do Estado fazer sozinho, como faz o Festival de Cinema, ela já nasceu em parceria com um grupo de produtores GRV e com a entidade de classe que é a BMI [Associação Brasileira de Música Independente.

- O custo do aluguel das salas do Teatro Nacional sempre foi o centro de uma grande polêmica que, há anos, opõe a Secretaria de Cultura e artistas e produtores culturais da cidade. Como o Sr. avalia essa situação?

- O grande dilema da circulação cultural, especialmente do teatro é a curta temporada, o que faz com que o custo seja recuperado em dois ou três dias. O maior custo fica por conta de cachês, passagens, hospedagem, alimentação e direito autoral. As salas do Teatro Nacional, se não forem as mais baratas estão entre elas. É preciso sempre desmentir o custo do teatro. A Sala Villa-Lobos custa R$ 4.200 ou 15% da bilheteria (o que for maior) e, às vezes, um Conselho de Cultura pode reduzir, quando há contrapartidas interessantes. A Débora Cocker, por exemplo, abriu uma matinê ao público de baixa renda, é foi contemplada com um abate no preço. Esse Conselho examina caso a caso. Na Sala Martins Pena, o aluguel é de R$ 600 e artistas locais têm um desconto de 50%, o que não paga nem a luz. Além do mais, a cidade não pode ser provinciana, estamos falando do Teatro Nacional da capital do Brasil. No Rio e em SP, o aluguel de uma sala custa de R$ 25 a R$ 100 por dia. Aliás, o Teatro Nacional será todo reformado, em todos os lados e serão gastos R$ 4 a R$ 5 milhões e já foi licitado, autorizado e está prestes a ser executado na parte interna também.

- A falta de investimentos federais para a manutenção de Brasília como capital do País é uma peculiaridade bem brasileira que não acontece nas outras cidades planejadas como Ottawa, Washington e Camberra. Os representantes dessas capitais, reunidos em Brasília no 4º Fórum Capitals Alliance, em novembro passado, ficaram surpresos ao saber que o Complexo Cultural, na Esplanada dos Ministérios, está sendo totalmente construído apenas com recursos do GDF. O maior obstáculo do governo local para fazer uma celebração na Praça dos Três Poderes é a necessidade de articulação com o Executivo Federal, o Legislativo e o Judiciário?

Com certeza isso acaba dificultando a realização dos eventos. Estavam previstos os recursos no orçamento da União para as obras e, até agora, o dinheiro veio apenas do GDF. Isso demonstra a coragem do governador Roriz de resgatar essa dívida com Brasília e, sobretudo, com o Brasil, já que essas obras estavam previstas no plano da capital. Há uma total clareza sobre o impacto econômico e a geração de empregos que essa política vai ter. Atrações para o desenvolvimento do turismo são como seres vivos, não nascem prontos e acabados, mas criam condições para mudanças de patamar. A obra do Museu e seus principais resultados vão permitir a inclusão de Brasília no circuito de artes plásticas do qual está praticamente fora. A biblioteca será inaugurada primeiro, em princípio no segundo semestre desde ano. Já o Museu, no início do ano que vem. Havendo condições, o governador irá acelerar ao máximo.

- A realização do Brasília Music Festival, em 2003, foi um marco para a cidade. O Sr. acredita que as grandes empresas estão menos temerosas em apostar suas fichas em eventos culturais do DF?

- O BMF foi o maior marco e um grande teste de maturidade. E, é claro, que deu crédito a outros produtores como o Gustavo Sá [que produziu o show do BB King e do Kraftwerk], do Valter Cunha [da ArtWay], os organizadores do Porão do Rock, os irmãos Guimarães, na área do teatro, Hugo Rodas, Udi Grudi e Ivan Viana [do Festival Vivo Rindo]. E haverá muitas novidades esse ano, com produções do Pão Music, que acontece no aniversário de Brasília e no 7 de setembro. A Concha Acústica irá surgir como um novo espaço de produções de maior público, com a familiaridade do produtor com o espaço. O BMF não é mais teórico e terá nova edição, provavelmente em setembro. Temos projetos muito ambiciosos, com produtores locais e de fora.

- Em 2004, 26% do orçamento da Secretaria de Cultura foi destinado às festas religiosas. O Sr. acredita que neste ano a Secretaria ficará refém novamente da alocação de recursos para este fim?

- Prefiro comentar isso quando o orçamento for publicado no Diário Oficial do DF.

- E como relação ao Fundo de Cultura? Há alguma previsão para este ano?

- O FAC é diferente e nossa expectativa é de um crescimento importante. Em 2004, tivemos cerca de R$ 6 milhões. Para este ano, a estimativa é de chegar a R$ 7 milhões.

- Antes de começar a campanha do Brasília em Alta, o GDF fez uma pesquisa entre os turistas para saber o que tornava Brasília uma cidade famosa. Em primeiro lugar estava obviamente a política. Em segundo veio a música, à frente até da arquitetura de Niemeyer. Para incrementar o turismo ou mesmo fazer com que os brasilienses não fugissem da cidade nas férias é preciso investir na cultura? Há possibilidade de implantação do projeto também em janeiro?

- Percebemos que houve um aumento no número de pessoas que visitaram a cidade a lazer e que ficaram aqui aos fins de semana. O Brasília em Alta teve um resultado muito positivo, medido em dados estatísticos de aumento de arrecadação de imposto, de ocupação hoteleira, divulgação da cidade, embora fosse um projeto piloto. A expectativa é que neste ano se faça um esforço mais cedo e mais aprofundado de articulação. Ainda não definição do período. Mas também estamos pensando, para o ano que vem, em uma temporada em janeiro. É uma idéia que deu certo e que responde a uma visão da cidade que tem muito espaço para crescer, que é essa relação de turismo-esporte-cultura, que junto com setor privado, com a hotelaria e com a Brasília Conventions, ajudam a projeção da imagem da cidade. Também estamos quebrando, aos poucos, a barreira da falta de patrocínio.

- O primeiro telecentro comunitário do DF foi inaugurado em novembro na Ceilândia, na Biblioteca Pública Carlos Drummond de Andrade. Quais serão os próximos passos para o acesso gratuito à Internet às outras cidades-satélites? Aliás, como será a inclusão cultural dessa população em 2005?

- Iniciamos um esforço importante na área da inclusão digital, com os telecentros. A idéia é de equipar as 20 bibliotecas da rede com telecentros de padrões que estão sendo estabelecidos com sucesso. E vamos além, com construção de novos centros culturais, bibliotecas e brinquedotecas. Prevemos ainda uma reforma no Teatro da Praça [em Taguatinga], com adaptação de algumas salas para arte. Além disso, todas as mostras no Plano Piloto poderão ser exibidas no Sesi. O Sesc também terá um teatro.

- O que o público de Brasília pode esperar, em termo culturais, para este ano?

- A agenda não está completa e nem fechada. Os espaços da Secretaria estão recebendo propostas, mas estamos nos empenhando para manter os eventos tradicionais da capital e os que foram realizados com grande sucesso. Prevemos uma temporada integral com a Orquestra Sinfônica e projetos que façam esporte, turismo e cultura interagir. Além disso, queremos continuar as nossas produções difíceis, como as óperas, o Porão do Rock, Feira do Livro, BMF, Via Sacra de Planaltina.