Título: Os dois lados da moeda
Autor: Rafael Rosas
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, Economia, p. A17

Em 2004, o dólar registrou o segundo ano seguido de queda. Foi a primeira vez, desde a adoção do câmbio flutuante, em janeiro de 1999, que a moeda americana recuou nominalmente por dois anos consecutivos. Mas o comportamento dos preços mais sensíveis ao câmbio não costuma seguir sempre a tendência da moeda americana.

A análise de dados do Índice de Preços do Atacado (IPA), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que em 1999, ano em que o dólar registrou variação positiva de 52,91%, os 14 setores mais sensíveis à taxa de câmbio registraram altas acima de 15%, embora apenas Combustíveis e Lubrificantes (62,97%) e Papel e Papelão (58,80%) tenham avançado mais que a moeda americana. Em 2002, quando o dólar disparou 53,48% em decorrência da tensão eleitoral, apenas as Lavouras para Exportação ficaram acima deste patamar, com alta de 84,75%, mas somente um dos 14 grupos aumentou os preços abaixo de 10% - farmacêuticos, com forte conteúdo de controle pelo governo.

As diferenças começam quando são analisados os comportamentos em anos de dólar em baixa. Em 2003 e 2004, embora a moeda americana tenha registrado queda, apenas Lavouras para Exportação recuaram no atacado - de 5,06% e 9,82%, respectivamente.

De acordo com o coordenador de análises econômicas da FGV, Salomão Quadros, os setores repassam os aumentos ao longo dos anos, depois de absorverem os custos num primeiro momento.

- Os produtos agrícolas tem volatilidade maior, devido à possibilidade de rever contratos mais rapidamente. Na área industrial, as variações são menores, devido ao número menor de fornecedores. A formação de preços é mais rígida - explica Quadros.

O economista diz que os preços no atacado refletem melhor o comportamento do dólar, já que uma série de amortecimentos impede o repasse completo para o varejo.

- Mesmo dentro do IPA, as altas não são homogêneas. Os reflexos são muito maiores nos setores de alimentos e de bens duráveis que entre os bens não duráveis. Alimentos são gêneros de primeira necessidade, que suportam repasses imediatos - ressalta.

Salomão Quadros, no entanto, ressalta que o ano passado foi atípico em vários setores, como Ferro, Aço e Derivados, cujos preços avançaram 57,66% em decorrência dos fortes reajustes dos preços internacionais.

Outro fator considerado importante por economistas na hora de determinar o tamanho do repasse do câmbio é o momento da atividade econômica. Em períodos de recessão ou de baixo crescimento, mesmo no atacado, a tendência é que os custos sejam absorvidos pelas empresas, que reduzem margens de lucro. Com o aquecimento econômico, as empresas compensam as perdas mesmo com o real valorizado aliviando os custos.

- Em 2004 propiciou-se um maior repasse de custos do dólar ainda de 2002, já que o PIB subiu em torno de 5% - afirma Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio. - O crescimento econômico trouxe a recuperação de margens. Por isso que na hora em que o câmbio se valoriza, o ritmo de arrefecimento dos preços é mais lento que no sentido contrário.