Título: O crescimento das multinacionais brasileiras
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Jornal do Brasil, 17/01/2005, Economia, p. A18

Empresas brasileiras investiram em 2004 cerca de US$ 9,5 bilhões no exterior, segundo estimativas da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). A notícia circulou na imprensa, mas passou praticamente desapercebida. Entretanto, ela revela uma transformação estrutural de fundamental importância que algumas empresas brasileiras pioneiras estão iniciando, revelando o caminho para o crescimento sustentado para a economia brasileira. Revela como contornar, com presença no exterior, os grandes obstáculos que as empresas brasileiras encontram no Brasil para crescer. O estoque acumulado de investimentos brasileiros no exterior alcançou no ano passado US$ 66 bilhões, que representam apenas 11% do PIB, índice inferior à média dos países em desenvolvimento e insignificantes em relação ao tamanho da nossa economia. Entretanto, é o início de um processo de mudança que será seguido por muitas outras empresas brasileiras. Estou chamando de empresas multinacionais brasileiras aquelas que nasceram e que têm como principal base de operações o Brasil. Não me refiro aqui a empresas brasileiras que utilizam artifícios jurídicos em paraísos fiscais para obter vantagens financeiras ou outras operações desta natureza. Desta forma, não me refiro aos US$ 9,5 bilhões investidos neste ano no exterior pelas empresas brasileiras, que, aliás, estão inflados pela operação de fusão da AmBev com a belga Interbrew, mas a empresas brasileiras que estão ampliando de fato operações produtivas com plantas no exterior. Estas empresas se multinacionalizaram dentro de uma estratégia para contornar os obstáculos ao crescimento encontrado no mercado interno. Exemplos típicos são os caso dos grupos Votorantin e Gerdau e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

Mas vejamos quais os obstáculos ao crescimento que estas empresas estão contornando. O primeiro é o fraco crescimento da demanda real, particularmente da indústria. Há indicações empíricas neste sentido. Basta lembrar que nos últimos 22 anos (de 1981 a 2003) o produto da industria de transformação cresceu a uma taxa média de apenas 1,2% ao ano, portanto, menos que a população. Com a forte recuperação da economia em 2004, esta taxa média será maior, mas ainda menor que o crescimento da população. Os índices de utilização da capacidade instalada também mostram uma crônica insuficiência de demanda real. Enquanto na década de 70, o nível médio de utilização da capacidade instalada foi de 86,4%; na de 80 foi de 77,6%; e na de 90 foi de 79,8%. Nas últimas duas décadas, a economia brasileira cresceu menos do que a economia mundial. Portanto, é lógico que empresas que queiram crescer rapidamente procurem o mercado externo mais dinâmico como uma saída, mas a taxa de câmbio valorizada tem sido outro obstáculo ao crescimento. De fato, a taxa de câmbio tem sido instável e com uma tendência à valorização, particularmente depois de 1992 com a abertura da conta de capital. Não é por acaso que foram os setores que têm competitividade baseada em recursos naturais abundantes que conseguiram expandir as exportações com maior vigor e presença significativa no mercado internacional. E também não é por acaso que as três empresas multinacionais brasileiras mencionadas acima operam em setores como mineração, suco de laranja, celulose, cimento e aço. Nestes segmentos, o generoso subsolo, sol e chuva brasileiros dão competitividade mesmo com taxa de câmbio valorizada.

O segundo obstáculo ao crescimento vem da distorcida e excessiva tributação, mesmo quando comparada a de países desenvolvidos. Exportações e transferência de fases da produção para o exterior permitem contornar este problema. É por isso que a indústria do aço é estimulada a exportar placas e transformá-las lá fora em produtos mais nobres e de valor agregado maior. Em outras palavras: o nosso sistema tributário é tal que as empresas para ganharem competitividade nos mercados que crescem (exterior), são levadas a transferir para fora as fases de maior agregação de valor para fugir a tributação. O terceiro obstáculo é o chamado ¿risco Brasil¿. Ao longo das últimas décadas as empresas brasileiras vem pagando as taxas de juros mais altas do mundo. E isto é verdade não só para a taxa de juros interna como externa. Neste último caso em função do ¿risco Brasil¿. Além disso, fontes de financiamento de longo prazo são bastante escassas. Ou seja: uma empresa brasileira só obtém financiamento pagando 4 a 6 pontos percentuais acima do que pagaria uma empresa similar, com o mesmo risco de negócio, sediada nos Estados Unidos ou na Europa, simplesmente em função do ¿risco Brasil¿. Setores que dependem de financiamento de longo prazo podem se tornar inviáveis se não conseguirem contornar este problema. Desta forma, investimento no exterior ou aquisição de companhias lá fora é a forma que algumas empresas brasileiras encontraram para contornar o ¿risco Brasil¿. Não é por menos que Votorantin, Gerdau e CSN adquiriram várias empresas no exterior .