Título: Mandela e Arafat
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 18/01/2005, Outras opiniões, p. A11

Mais uma lição de grandeza humana deu Nelson Mandela ao mundo. Dos seus cinco filhos, único homem e primogênito, Makgatho, acaba de morrer, aos 54 anos, vitimado pela Aids, endêmica na África do Sul. Mandela venceu o tabu, de que são escravos os sul-africanos, de não se referirem à Aids. O sucessor de Mandela, Thabo Mbek, na presidência do país, não faz muito tempo, em conferência internacional, foi taxativo: ''Na África do Sul não temos Aids, só pobreza''.

Mandela, ao contrário de seu antigo pupilo no Congresso Nacional Africano - o partido dos punhos cerrados e filiação ideológica alinhado à União Soviética - anunciou publicamente a causa da morte de seu filho. Conquanto sofrido, sobrepôs a verdade à dor, e disse publicamente: ''Anuncio que meu filho morreu de Aids''. O que poderia parecer apenas uma revelação comum é mais uma dura batalha que vai enfrentar, dado o tabu agravado pela obstinação obscurantista do presidente Mbek.

Na luta épica entra o Apartheid, um dos mais perversos sistemas de opressão jamais concebidos, Mandela chegou a ser condenado à prisão perpétua. Dela saiu 27 anos depois, pelo clamor popular por sua libertação. Foram decisivos, na opinião pública mundial, o bispo Tuti e o realismo do presidente De Klerk. Agora, luta contra a força da insciência. Adverte ao revelar a verdade: ''Não devemos ocultar a existência dramática da Aids, única forma de fazer compreender que é uma doença como a tuberculose e o câncer. Não enodoa''.

O consagrado herói da extinção da opressão racial na África do Sul, Prêmio Nobel da Paz, construiu o que parecia impossível: a descolonização que impediu o mar de sangue que sucederia à vingança do povo negro sobre os opressores, uma vez donos do poder. Mandela, em sua história, foi um libertador que sopitou o rancor e o substituiu pela moderação com que transformou sua posse na Presidência da República democratizada, na festa nacional do povo liberto, em vez do terror sangrento e revanchista que ocorreu em outras partes da África.

Só mesmo Mandela pode liderar, nos seus 86 anos, outra batalha nacional, esta pela vida, contra o flagelo da Aids que, no continente africano, já afeta 25 milhões de pessoas. Que Deus possa dar-lhe, ainda no crepúsculo de sua vida, a última vitória.

Ao contrário do anúncio corajoso de Mandela, os palestinos escondem a doença que matou Arafat, também um líder nacional, também um Prêmio Nobel da Paz, ilusória comemoração frustrada.

Ao ser transferido de sua residência, ou melhor, do que restou dela bombardeada pelos tanques israelenses, para o hospital militar da França, difundiu-se a forte suspeita de que fora envenenado pelos judeus. Estranhamente lacônico, o oficial porta-voz dos médicos franceses foi uma só vez peremptório. Negou, veemente, que a doença proviesse de envenenamento. Os palestinos usavam a morte anunciada de Arafat como um poderoso ingrediente a mais na luta contra Israel.

Seguiu-se, sem definição, a morte do mais famoso guerrilheiro do Oriente Médio. O laconismo transformou-se em segredo de Estado. Impediu-se a necropsia. Receberam, os parentes, o atestado de óbito negado ao conhecimento público. Em suma: esconde-se a causa mortis. Por quê? Para quê?

Recorro ao livro que li em 1981, Entrevista com a História, da jornalista e escritora Oriana Fallaci, constante de entrevistas que lhe concederam importantes líderes mundiais contemporâneos.

Tratou Arafat sempre de Abu Ammar, nome que ele adotou ao fundar Al Fatah, e que significa ''o pai construtor''. Descreve-o fisicamente, salientando, ''de uma figura árabe comum, os olhos, duas balas de ódio, que podem hipnotizar, e a voz fina que emite um não sei quê de feminino''. Logo se detém no guarda-costa que acompanha Arafat: ''Um jovem formoso como igual jamais havia visto. O tipo do cativante ocidental provavelmente alemão, que Arafat exibia com tanto orgulho, que logo se me ocorreu ser mais que um guarda-costas''.

De sua vida privada, nada obteve na entrevista, exceto que não se lhe conhecia nenhuma mulher. A última pergunta revelou a suspeita desde a aparição do guarda-costas. Direta: ''O senhor não está casado e não se lhe conhecem mulheres em sua vida. Quer fazer como Ho Chi Minh, que disse repugnar-lhe viver com uma mulher?'' Arafat respondeu evasivo: ''Digamos que nunca encontrei a mulher adequada. Casei-me com uma mulher que se chama Palestina''.

Manter em silêncio a causa da morte só serve para robustecer suspeitas, como essa de Oriana Fallaci.