Título: Pobreza nas barbas do poder
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2005, País, p. A3

Uma das regiões mais pobres do Brasil está nas barbas do Palácio do Planalto e do Congresso, de onde saem as principais decisões que afetam a gestão dos municípios. É o chamado Entorno de Brasília, formado por 19 cidades goianas e três mineiras. A população dessa área é de mais de 2,5 milhões, segundo a última contagem do IBGE. De maneira informal, fala-se em 3 milhões.

A região, que cresceu rapidamente em função da migração, em especial de nordestinos, foi ocupada de forma irregular. E tem carência de tudo, do transporte ao recolhimento do lixo. Estas deficiências sobrecarregam os serviços públicos de Brasília. Além disso, o bolsão de miséria que não pára de crescer aumenta a violência e passa a preocupar a chamada ''ilha da fantasia''.

O pior exemplo de desordem urbana atende pelo nome de Águas Lindas de Goiás, município a cerca de 50km de Brasília, emancipado em 1997. Fruto da proliferação de loteamentos irregulares, teve sua população aumentada de 5 mil pessoas, no início dos anos 90, para 147 mil, segundo o IBGE em 2000.

Na entrada da cidade, uma placa saúda: ''Águas Lindas, a cidade que mais cresce na América Latina''. O que poderia ser motivo de orgulho, na verdade, aumenta o caos. Algumas casas começam a ser construídas nas margens da Represa do Descoberto, de onde saem as águas que abastecem 70% da capital. Não há água tratada nem esgoto, muito menos hospital ou escolas suficientes. A economia está estagnada, pois a maior parte da população trabalha - e consome - em Brasília.

E pior: o prefeito José Pereira (PFL), que assumiu em janeiro, herdou uma dívida de R$ 16 milhões, uma fortuna se comparada à receita mensal de R$ 1,5 milhão.

- Só com o Detran, são R$ 200 mil em dívidas, além de outros R$ 300 mil com a Brasil Telecom - conta o secretário de Administração e Planejamento, Daniel de Castro, acrescentando que os salários dos 1.400 funcionários estão atrasados há três meses.

No ano passado, Águas Lindas teve três prefeitos. O eleito, José Zito Gonçalves (PSDB), foi afastado do cargo por corrupção. Assumiu, então, o atual, José Pereira. Zito reassumiu o posto com um mandado de segurança, perdido pouco tempo depois. A cidade terminou o ano administrada por Wilson do Cenal (PMDB).

Para tentar pôr ordem no caos, a prefeitura foi fechada por uma semana e o prefeito foi fazer um curso de finanças, conforme conta Castro. Por isso, não pôde dar entrevista. Nestes sete dias, segundo o secretário, os 700 cargos comissionados foram eliminados e diversas secretarias extintas. A prefeitura também começou a fazer um levantamento do número de funcionários e da frota.

- Dos 50 carros que a gente achou que tinha, só três apareceram até agora - diz o secretário, acrescentando que, enquanto o prefeito não tomar pé da situação, o ano fiscal não será aberto e nem ''uma balinha será comprada''.

Para Castro, a primeira tarefa agora é motivar os funcionários e mostrar aos eleitores que ''uma nova gestão'' tomou posse. Com a retomada da confiança, ele acredita que até o recolhimento dos impostos aumentará. Segundo o secretário, cerca de 8 mil famílias não pagam o IPTU porque não querem dar dinheiro ''a uma administração corrupta''.