Título: Prefeitos diante do cofre vazio
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2005, País, p. A3

Para os 5.562 prefeitos que tomaram posse no dia 1º de janeiro, ganhar a eleição foi até fácil. Difícil será administrar, com os cofres raspados, a lista de problemas que a maior parte das cidades herdou, que vão de questões de complexa solução, como a falta de saneamento, a situações que beiram o absurdo. Em Águas de Lindas de Goiás (GO), por exemplo, a 50 quilômetros da Capital Federal, os secretários pagaram do próprio bolso até o material para limpar os gabinetes.

A dificuldade financeira dos municípios não é nova, mas o quadro se agravou nos últimos anos, fruto de uma combinação de fatores. O primeiro foi a mudança na Constituição, em 1988, que reduziu de 75% para 45% a receita federal compartilhada com os municípios - um volume de dinheiro que chega hoje a R$ 110 bilhões por ano, segundo cálculos do Senado.

Depois, veio a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limitou os gastos das prefeituras. E, por último, o rigoroso ajuste fiscal do governo federal, que reduziu investimentos e delegou aos municípios uma série de responsabilidades, como cuidar da saúde e educação, sem transferir, ao mesmo tempo, recursos suficientes.

As medidas adotadas pela União, por um lado, permitiram que o país aumentasse seu superávit primário, honrasse os compromissos com o Fundo Monetário Internacional e derrubasse o risco Brasil. Enfim, a macroconomia entrou nos eixos, todos os setores elogiam o Planalto, e a atividade econômica cresce. Mas, na vida real da Planície, milhões de pessoas têm um cotidiano muito diferente do ar condicionado dos gabinetes de autoridades, em especial nas pequenas cidades.

- Nos municípios de menor porte, o eleitor sabe o endereço do prefeito e vai bater na porta se um serviço deixar de ser prestado, o que não acontece em São Paulo, por exemplo - afirma o economista François Bremaeker, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam).

A visão é compartilhada pelo presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Roberto Ziulkoski. Ele afirma que decisões tomadas em Brasília repercutem nas prefeituras, que trabalham com o cotidiano do cidadão.

- Por mais que o cinto aperte, não se pode deixar de fornecer remédio, dar atenção básica à saúde, fazer o transporte escolar, recolher o lixo e atender à creche - disse, acrescentando que as prefeituras ainda herdam tarefas da União.

De acordo com o Ibam, as despesas municipais com serviços, de responsabilidade de estados e da União, somaram R$ 6 bilhões em 2003 e podem ter chegado a R$ 6,7 bilhões em 2004. A CNM defende a proposta de que, para ter eficácia, a Lei de Responsabilidade Fiscal deveria ser precedida pela regulação da questão federativa das atribuições de cada ente.

Com este cenário, os administradores já se preparam para a primeira briga do ano: pressionar os deputados a votarem o aumento de 1% do Fundo de Participação dos Municípios, que consta da reforma tributária, já aprovada pelo Senado, e está parada na Câmara. O FPM passaria de 22,5% para 23,5%, o que representaria algo em torno de R$ 1,2 bilhão a mais ao ano.

Bremaeker destaca que para 81% das prefeituras o FPM é a principal receita. É formado por parte da arrecadação do Imposto sobre Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Os índices de repasse são calculados pelo Tribunal de Contas da União, utilizando como fatores a população e a renda per capita.

Um trabalho do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) aponta que o nível de dependência pode ser ainda maior, e é inversamente proporcional ao tamanho das cidades. Segundo o Iets, nos municípios com menos de cem mil habitantes, mais de 85% dos recursos vêm de transferências, sendo que essas cidades abrigam quase metade da população brasileira. Já nas metrópoles, com mais de um milhão de habitantes, a arrecadação própria chega a 46%.

Afora a ajuda da União, as cidades dependem principalmente de três tributos, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o Imposto Sobre Serviços e o Imposto Predial e Territorial Urbano. Bremaeker ressalta que nas cidades de base urbana, que possuem uma melhor arrecadação, não é possível aumentar mais os tributos. E nas de base rural, com menos de 20 mil habitantes (75% do total), praticamente não há arrecadação.

- É um grande espelho da sociedade, com sua péssima distribuição de renda e poucas saídas a curto e médio prazo - diz.