Título: Entrevista: Tasso Jereissati
Autor: Rodrigo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2005, País, p. A7

Escaldado por ter sido vidraça de petistas durante os seus três mandatos como governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB) pareceu confortável nos dois primeiros anos de gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto o PT se chocava com a responsabilidade de ser governo, o cearense estreava no Senado e se transformava numa das vozes mais altivas da oposição ao Palácio do Planalto. Apoiador da política macroeconômica conduzida pelo ministro Antônio Palocci ¿ um apoio às vezes discreto, outras vezes nem tanto ¿ Tasso se revela orgulhoso no balanço do período. Diz, por exemplo, que o PSDB e o PFL revelaram um ¿espírito construtivo¿, que teria permitido avanços significativos na reforma tributária e no projeto das Parcerias Público-Privadas, as famosas PPPs ¿ consideradas por 10 entre 10 governistas como a salvação da lavoura para os problemas de infra-estrutura no país. A moleza, no entanto, acabou. É o que garante nesta entrevista ao JB, concedida por telefone do escritório em Fortaleza, de onde comanda suas empresas e conduz suas articulações políticas domésticas. Tasso afirma, por exemplo, que a oposição vai endurecer este ano. Cansou do que o senador cearense chama de ¿comportamento destrutivo do velho PT¿, seguido ainda hoje pelo partido. ¿O PT não tem a mesma grandeza que PSDB e PFL tiveram na oposição¿, ataca. ¿Descumpre acordos e alicia em troca de favores públicos¿. Como pano de fundo da mudança, claro, a perspectiva da sucessão presidencial do próximo ano. O discurso parece pronto: para o senador, o PT continua pouco confiável, falhou nas políticas sociais e não tem o que dizer quando é assunto são as desigualdades regionais ¿ chave, segundo Tasso, para resolver os desníveis de renda que atingem o país.

- Nos dois últimos anos, o PT enfrentou o choque de realidade de ser governo, e PSDB e PFL tiveram de aprender a ser oposição. Ambos vêm conseguindo?

- Nesses dois anos tivemos um saldo positivo na relação entre oposição e governo. A oposição, representada por partidos como PSDB e PFL, foi bastante crítica naquilo que considerou necessário e desempenhou um papel completamente do que o PT fez no passado e continua fazendo fazendo no presente quando é oposição. Refiro-me aos recentes episódios em São Paulo (quando o PT se aliou a um dissidente tucano, vereador Roberto Tripoli, para derrotar o prefeito José Serra no comando da Câmara de Vereadores da capital paulista). Aqui mesmo, no Ceará, o (deputado José Nobre) Guimarães, irmão do presidente do PT (José Genoino), pediu vista e impediu a votação de um projeto essencial para o Estado. Por picuinha, fez o Ceará perder um ano de taxas e impostos. Era um projeto que havia sido discutido com a Assembléia. É o espírito puramente destrutivo que faz parte do velho PT.

- O sr. atribui isso a uma gerência nacional? Ou, ao contrário, à falta de controle do comando do partido?

- É o espírito do PT. Isso é muito comum quando o partido é oposição. Teve uma recepção altamente positiva por parte do PSDB e do PFL naquilo que era interesse do país. Mas quando é oposição, comporta-se exatamente da maneira que critica e apela para que a oposição não se comporte. Mesmo assim, PSDB e PFL progrediram muito nessa relação, dando um avanço enorme, facilitando o governo Lula, num comportamento altamente construtivo. Assuntos fundamentais para o governo, como a reforma tributária e as PPPs (Parcerias Público-Privadas), foram construídos com a mão da oposição. Mas o PT prefere esquecer.

- O sr. prevê um endurecimento do PSDB? Vai haver retaliação?

- Não vai provocar retaliação porque não é nosso espírito. Mas vai provocar um mal-estar e aumentar a desconfiança que se tem em relação ao cumprimento dos acordos, à grandeza no relacionamento governo-Congresso. O PT não tem essa grandeza e a mesma disposição no cumprimento dos acordos.

- O PT tem descumprido acordos também no Congresso?

- Tem. A reforma tributária não foi cumprida. Ficou na primeira parte e daí não seguiu em frente. O governo só cumpriu o que tinha interesse direto. E você deve se lembrar que a reforma foi apoiada pela oposição num princípio de que se daria em três partes. O governo também não cumpriu acordo na reforma da Previdência. Havia a famosa PEC paralela, esquecida pelo governo. Enfim, uma série de coisas fundamentais foi deixada de lado. Se você junta isso ao comportamento do PT quando oposição nos estados, vê que o clima vai ficar difícil este ano.

- O que o sr. chama de ''ficar difícil''? São obstruções no Congresso ou o primeiro passo para a eleição de 2006?

- O que chamo de difícil é o fim da facilidade, o fim da boa vontade da oposição, comprovada pelas negociações da primeira metade do governo.

- Nessas negociações, o sr. teve um papel de destaque na elaboração de um novo projeto para a PPP. Quais eram os pontos ruins do projeto do governo? O que faltou ao PT? Competência para elaborar um projeto de qualidade?

- Acho que faltou ao PT um pouco de humildade no primeiro momento, quando apresentou o projeto. Humildade em reconhecer que os pontos que a oposição estava apresentando eram pontos que corrigiam erros graves do projeto original. Essa arrogância é o que preocupa no PT. Ela ocorreu num primeiro momento. Depois foi colocada em segundo plano, graças principalmente ao senador Aloizio Mercadante, que se empenhou no diálogo. Daí o governo conseguiu, com rapidez, preparar um projeto muito melhor no que tange à responsabilidade fiscal, à Lei de Licitações e à brecha para a promiscuidade entre dinheiro público e dinheiro privado.

- No calor dos debates, o sr. chegou a se referir diretamente ao tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Disse que ele iria ''deitar e rolar'' com a PPP. O sr. relaciona essa promiscuidade ao PT?

- Eu me refiro à possibilidade de que os fundos dirigidos pelo governo e os bancos estatais, por exemplo, tivessem parcelas da iniciativa privada na utilização do dinheiro público.

- Esse risco está descartado?

- Descartado totalmente, não, porque quando se trata de dinheiro público nunca está. Mas o resultado foi bom.

- O governo considera a PPP a salvação da lavoura para a infra-estrutura. O sr. não teme ter ajudado a garantir o sucesso dos dois últimos anos do mandato do presidente Lula? Segundo, a PPP não corre o risco de transformar numa panacéia para os males da infra-estrutura brasileira?

- Quanto à primeira pergunta, respondo que de jeito nenhum. A oposição que estamos fazendo é boa para o país. Que seja bom para o presidente Lula se for bom para o país. Mais importante do que a PPP foi a discussão da reforma tributária. Não sei se você lembra, o controle básico da reforma tributária foi nosso. É esse comportamento que o PT não tem sabido corresponder. Quanto à segunda questão, de fato a PPP não é solução para todos os problemas de infra-estrutura do país. Como não foi em parte nenhuma do mundo. É um engano pensar assim. O que é fundamental para a infra-estrutura é a redução das despesas de gastos correntes, a diminuição da carga tributária e a política de confiabilidade que faz com que os investidores comecem a acreditar que possam investir sem quebra de contrato no futuro. Esses três fatores não foram completamente bem-sucedidos.

- Mesmo a confiabilidade? Essa é a preocupação central do conservadorismo econômico do PT.

- Mesmo a confiabilidade. Você está vendo o que ocorre no setor elétrico. Você está vendo aumento da carga tributária. Quando parece que se está indo em uma direção, vem outra. Declarações que saem completamente opostas ao governo, mas saídas de dentro do governo. Tudo isso abala a credibilidade.

- Inevitavelmente a postura do PSDB passa tanto pela sucessão do comando do partido quanto pelas eleições presidenciais do próximo ano.

- Não existe esse debate hoje no partido. A decisão se deixa ou não a presidência do PSDB é do Serra. Se ele deixar o comando, a presidência é do Eduardo Azeredo. E o mandato é até o segundo semestre do ano que vem.

- Mas o governador Aécio Neves deu declarações públicas defendendo o seu nome.

- A declaração reflete a opinião dele, mas essa discussão não está colocada.

- Mas 2006 já está na agenda.

- Estamos começando a analisar. Tem muita água para rolar em 2005. O importante é que escolhamos o candidato certo para nosso projeto. No processo de escolha, deve prevalecer o projeto.

- E como fica o projeto do partido para 2006? O PSDB perdeu a agenda econômica para o PT. Isso não vai criar problema de identidade ao partido?

- Quem terá problema de identidade será certamente o PT. A nossa agenda foi apropriada pelo PT apenas parcialmente. Teríamos uma agenda de investimentos muito maior, em função da credibilidade do nosso projeto original. Certamente não haveria todos esses contratempos que existem hoje. Em segundo lugar, a nossa agenda social foi prejudicada pelo PT. Todas as políticas sociais que estão aí foram implementadas pelo PSDB, mas a continuidade está sendo dada em menor escala. Acho que teríamos tido um avanço gigantesco. Um ponto fundamental me preocupa hoje: o ensino básico. Fizemos uma revolução no ensino básico. O número de crianças dentro da escola chegou perto de 100%. Mas essa questão foi esquecida. O governo não dá mais um tostão para o ensino básico nos estados pobres. Zero, zero, zero. Aqui no Ceará isso é sério. Outro ponto é a questão do desenvolvimento regional, fundamental para superar os desníveis de renda. Não se vai resolver o problema dos desníveis de renda se não se resolver o problema dos desníveis regionais. Distribuição de renda começa com distribuição de renda regional. Mas não se faz nada.

- Mas distribuição de renda foi um ponto fraquíssimo do governo FHC.

- Você tem razão. Não foi feito o que deveria ter sido feito. Faltaram avanços. Mas foi criada uma série de obras fundamentais de infra-estrutura no Nordeste. Neste governo não existe uma idéia sobre o Nordeste. Já que o governo está ausente, o Senado se mobiliza. Acaba de ser criada uma comissão permanente de desenvolvimento regional. A idéia é enfrentar o problema.

- O que o sr. acha da idéia de acabar com a reeleição?

- Acho válido, desde que não tenha validade para quem exerce o mandato.

- A reeleição foi um erro do ex-presidente Fernando Henrique?

- Não acho que tenha sido um erro. Mas tenho dúvidas se foi algo bom para o país os quatro anos com reeleição. Tenho dúvidas se cinco anos não teriam sido melhores. Sem reeleição.

- Por esse debate passa a reforma política.

- Essa é a reforma mais fundamental de todas. Espero que o governo tenha real disposição para isso. É preciso acabar com a promiscuidade. O ponto fraco da nossa democracia é a desmoralização dos partidos. A falta de consistência e a incoerência são a grande lacuna, que nos impede de termos uma democracia realmente consolidada.

- Mas utilizemos o caso do PT, que mudou parte de suas idéias ao chegar ao governo. Quem se manteve fiel virou dissidente. A fidelidade partidária, neste caso, puniria a coerência.

- De fato, isso é um problema. Mas a responsabilidade recai sobre o partido, que terá de ter fidelidade ao seu programa. Um partido não pode passar a vida pregando uma coisa e, uma vez no governo, fazer uma coisa de outro jeito. O que não pode é continuar esse espetáculo que está aí, com o governo aliciando em troca de favores públicos, trocando votos por compromissos políticos.