Título: O desafio do gás
Autor: Daniele Carvalho e Sabrina Lorenzi
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2005, Economia, p. A19

Na despedida da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o embaixador Sebastião do Rêgo Barros anuncia o grande desafio nos próximos anos para o setor que fiscaliza até o fim desta semana. O governo prepara o marco regulatório para o setor de gás natural, que, embora em fase embrionária, já exibe franco crescimento como uma nova matriz energética para o país. Para a formatação do modelo, a agência contratou duas consultorias para recolher informações sobre o mercado em outros países, o que vai preparar a base para a política de regulação do setor no Brasil, a ser implementada pelo Ministério de Minas e Energia.

- O gás será um dos principais desafios para os próximos anos - avalia ele. Depois de três anos à frente da agência, o embaixador Rêgo Barros explica que a iniciativa demandará esforço tanto da ANP quanto do Ministério de Minas e Energia. Isso porque é ainda mais complicado determinar diretrizes para um mercado ainda incipiente.

- Não há uma solução mágica para o setor. O gás era 3% da matriz energética do Brasil e hoje responde por cerca de 5% e 6%. Definir um modelo em uma situação tão incipiente não é fácil - ressalta.

De acordo com o embaixador, as empresas não querem investir em gasoduto, assim como também não querem investir em refino.

- O investimento é pesado e de longo prazo. Desde que entrei na ANP, não houve qualquer empresa nacional ou estrangeira interessada em construir um gasoduto no país. Somente a Petrobras - comenta ele.

Se o desafio do gás passa pela regulação, para o refino o embaixador sugere a aplicação correta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Isso acalmaria os ânimos dos empresários que atuam no segmento, já que a principal queixa continua sendo a formação de preço dos combustíveis no mercado interno, ditada pela Petrobras, que praticamente detém o monopólio do refino no país.

- Ao contrário das outras agências reguladoras, que administram tarifas, a ANP não tem base legal pra intervir no preço dos combustíveis, que são commodities. A Cide foi criada com a intenção de servir de colchão entre o preço externo e o interno, para que se pudesse ter certa estabilidade - justifica.

Para o embaixador, que ficou à frente da ANP pelos últimos três anos, a agência está pronta para enfrentar os desafios futuros. E rebate os comentários de que a ANP tenha sofrido esvaziamento de suas atividades por conta de intervenções do Ministério de Minas e Energia.

- O ministério está sendo mais ativo do que era tradicionalmente. Quando entrei na ANP, o país enfrentava problemas de abastecimento elétrico e estava, com razão, muito preocupado com a energia. O ministério atual dá mais atenção do que o anterior dava ao petróleo e ao gás. Achei até que ia haver esse esvaziamento, mas constatei que não houve - conta ele, acrescentando que passou bem pela transição de governos e foi bem tratado pela gestão petista.

- Foi preocupante antes de o governo novo começar. Mas quando começamos a trabalhar, mostrou-se bem mais fácil do que eu imaginava. O processo de licitações, por exemplo, não mudou (quase) nada. A única coisa que mudou foi a exigência de conteúdo nacional, que antes não era obrigatório - lembra ele.

Para o embaixador, a mudança não era necessária, porque o país já havia conseguido alcançar bons resultados de nacionalização.

- Não era necessária a exigência do ponto de vista de atração de investimento, pois já havia desenvolvimento razoável. Mas do ponto de vista do governo, foi politicamente correto - comenta.

O diretor-geral deixa o cargo defendendo a realização de leilões anuais de áreas para a exploração de petróleo. O assunto, que gerou atrito entre a agência e o ministério no ano passado durante a Sexta Rodada de Licitações, é dado como resolvido pelo embaixador.

- Acho que fui ouvido - avalia ele, referindo-se ao anúncio da Sétima Rodada para este ano. - O Brasil tem muito petróleo. Temos que aproveitar enquanto o petróleo é o paradigma do mercado. Acho que isto pode mudar e, por isso, não podemos ficar sentados em cima do petróleo no futuro.

Para a realização de novas rodadas, no entanto, torna-se cada vez mais imprescindível o conhecimento aprofundado das bacias sedimentares brasileiras. Os recursos para os estudos geológicos, segundo o diretor-geral, ainda são escassos: somente 7% das bacias são conhecidas.

O orçamento para a autarquia - incluindo despesas gerais e com estudos - vem sofrendo reduções nos últimos anos. Em 2002, era da ordem de R$ 242 milhões e de R$ 221 milhões no ano seguinte. Em 2004, o montante foi de R$ 182 milhões. Já para este ano, a estimativa é de recebimento de R$ 184,5 milhões.

Entre os avanços nos estudos sísmicos, Rêgo Barros cita as pesquisas que estão sendo feitas no Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

- Estes estados estão em uma região que até hoje não atraiu muito interesse. Mas quando olhamos para o mapa, vemos que é uma área em que pode se encontrar muito petróleo porque se encaixaria numa parte do continente africano onde há petróleo: Nigéria e Angola - aposta ele.