Título: Rito de passagem
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2005, Internacional, p. A9

A visita de Mahmoud Abbas ao túmulo de Yasser Arafat em Ramala, Cisjordânia, oficialmente para homenagear o líder histórico dos palestinos, como último gesto de campanha eleitoral, teve um significado oculto. O virtual novo presidente da Autoridade Palestina (ANP) foi ao mausoléu dar adeus à imagem que impulsionou sua candidatura, mas que, superada a etapa de hoje, se torna um fardo pesado demais. Por mais que diga que Arafat o inspira, Abbas sabe que precisará andar com as próprias pernas diante das enormes expectativas depositadas sobre sua figura. A chave para ter poder suficiente não está, como se acredita, só na vitória, mas no índice que sairá das urnas: vencer pode ser fácil como parece, mas se obtiver menos de 70% dos 1,8 milhão de votos possíveis, sua autoridade, mais que ameaçada, será neutralizada.

O líder da Fatah anda no fio da navalha. Ainda que acreditem em um horizonte mais viável para a causa, palestinos moderados apontam erros na condução da campanha eleitoral que podem comprometer não a posse da Muqata (a sede da ANP), mas a capacidade de reordenar, mesmo com toda a ajuda do mundo, o caos político, econômico, administrativo, social e militar no qual a ANP mergulhou. Uma anarquia que fez definhar o nacionalismo entre os mais jovens, tragados pela ideologia islâmica radical do grupo Hamas, onde o futuro não é comprometido com a reconstrução da sociedade, mas com sua ascensão coletiva ao paraíso pelo atalho do martírio.

- Abbas e os outros sete candidatos erraram ao não incluir os foguetes Qassam como tema das campanhas. Uma condenação explícita comum teria dado força não a ele só, mas ao isolamento dos radicais - analisa, de Jerusalém para o JB, Bassem Eid, diretor-executivo do Palestinian Human Rights Monitoring Group (PHRMG), uma ONG palestina independente, que defende os direitos humanos nos territórios ocupados de violações cometidas pelos dois lados no conflito. Os Qassam são a última invenção do Hamas para atazanar as cidades israelenses: pequenos e artesanais, são lançados por sobre o muro erguido para protegê-las.

Otimista, Bassem acredita que a eventual vitória de Abbas no pleito, respaldada pela presença de 800 observadores internacionais, trará um sopro de esperança não só às famílias palestinas, mas para todo o Oriente Médio. Sustenta dando um exemplo que costuma ver nas ruas, especialmente nas da Faixa de Gaza, de onde Israel pretende se retirar ainda este ano.

- Apesar dos problemas, a realização de eleições nos territórios palestinos e no Iraque fará de 2005 um ano importante. Se Abbas vencer aqui e Allawi no Iraque, toda a região verá um período de prosperidade e calma. Nas casas palestinas, hoje, as pessoas têm parabólicas para ver canais de música, estão fartas dessa situação - completa Eid, um experimentado pesquisador cuja atuação na área de direitos civis rendeu prêmio inclusive de Israel.

Nem todos compartilham dessa visão positiva. A razão está na falta de uma dimensão real do poder que o ex-premier terá sobre as facções armadas que se engalfinham desde que Arafat saiu de cena.

- Não o vejo como o homem que vai assinar a paz, ele já negociou e deu declarações demais ao longo desse caminho. Abbas tem a capacidade para começar o processo, é mais um nome de transição - define, pelo telefone, de sua casa em Tel Aviv, Martin Kramer, ex-diretor e pesquisador Senior do prestigiado Centro Moshe Dayan para estudos do Oriente Médio. Kramer destaca um novo elemento no cenário pós-eleição: o Egito como parceiro para a estabilidade.

- A aproximação do Cairo com a ANP é estratégica. Querem ter os palestinos sob sua esfera de influência, o que Arafat não permitia que acontecesse - completa.