Título: Um recesso para estudar
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 09/01/2005, Internacional, p. A11

Surgiu-me uma oportunidade especial. Trabalho como senador desde minha primeira eleição, em 1990, e antes fui deputado estadual (1979-1982), federal (1983-86), vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo (1989-90). A atividade parlamentar costuma ser tão intensa que fica difícil arrumar tempo para estudar com mais profundidade aqueles assuntos que considero fundamentais. Fui convidado pelo Woodrow Wilson International Center for Scholars de Washington para realizar estudos na área de meu maior interesse e escrever um novo livro, agora mais enxuto, possivelmente de 80 a 100 páginas, sobre a Renda de Cidadania. Ficarei aqui até 13 de fevereiro, durante o recesso do Congresso, mas farei um intervalo para participar do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, de 26 a 30 de Janeiro.

O Woodrow Wilson International Center for Scholars foi criado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1968 em homenagem ao 28º presidente dos EUA. Assim como há aqui monumentos em memória de cada um dos presidentes - como George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, John F. Kennedy - no caso de Woodrow Wilson, por iniciativa do senador Daniel Patrick Moynihan, resolveu-se criar um centro permanente de pesquisas avançadas.

O Centro convida um número significativo de pesquisadores com experiências em diversas áreas para conviver e trocar idéias, e lhes facilita o acesso a todas as fontes de pesquisa, como à biblioteca não apenas do próprio instituto, mas também da excepcional biblioteca do Congresso. Há vários anos o Centro é presidido pelo ex-deputado Lee. H. Hamilton, democrata que conserva o cargo mesmo que o presidente dos EUA seja hoje um republicano reeleito. Isso indica o grau de independência do instituto, que tem como fontes de financiamento verbas anuais do orçamento previstas pelo Congresso, contribuições de fundações, corporações e indivíduos.

Luiz Bitencourt é há cinco anos diretor brasileiro do Centro. Ele tem procurado dinamizar as relações de pesquisadores e cientistas do Brasil com os de outros países do mundo. Já estiveram aqui Fernando Henrique Cardoso, Marilena Chauí e Dalmo de Abreu Dallari. Nesta primeira semana de trabalho estive com pesquisadores do Irã, Ucrânia, Rússia e México. Recebi a visita de Steven Schafarman, fundador do Citizen Policies Institute de Washington que, como eu, abraçou inteiramente a causa da Renda Básica. Escreveu um trabalho, que pode ser encontrado no endereço http://www.etes.ucl.ac.be./BIEN/Files/Papers/2002shafarman.pdf, sobre como mobilizar o maior apoio possível à proposta.

Schafarman pensa persuadir os representantes eleitos e os candidatos americanos a cargos legislativos e executivos, dos mais diversos partidos, a apresentar propostas de renda básica, sejam para as cidades, até mesmo Nova York, estados ou país. Procura mostrar tanto aos liberais como aos conservadores, que a renda básica é um instrumento eficaz para que todos alcancem seus objetivos. Tem procurado estimular os aliados potenciais da idéia, como os sindicatos de trabalhadores, os ambientalistas e as pessoas mais velhas, a se envolverem no debate e abraçar a causa. Argumenta corretamente que a renda básica é uma síntese que combina a segurança econômica do socialismo com a liberdade individual do capitalismo.

Vou visitar nos próximos dias Robert Greenstein, fundador do Centro de Estudos Orçamentários e de Políticas Públicas, que tem se destacado como um dos principais analistas das diversas formas de transferências de renda nos EUA. Seus trabalhos têm mostrado a importância da forma de imposto de renda negativo criado em 1975, nos EUA, denominado Earned Income Tax Credit, ou crédito fiscal por remuneração recebida. Ao complementar a renda daquelas pessoas que trabalham, mas não alcançam um patamar de renda suficiente para lhes tirar da pobreza, o EITC tem contribuído para elevar os rendimentos de milhões de norte-americanos. Mas na própria cidade de Washington, não longe da Casa Branca, apesar do extraordinário nível de riqueza alcançado pela sociedade norte-americana, pode-se notar nas calçadas que ainda permanece aqui o problema da pobreza e dos que não têm renda suficiente para ter teto e alimentação.

Fiquei entusiasmado ao chegar na praça Daniel Patrick Moynihan, onde fica o edifício em que trabalho. Além de ter sido o idealizador do Centro, Moynihan trabalhou nos gabinetes dos presidentes John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon e Gerald Ford, foi senador democrata e antes serviu como embaixador na Índia e na ONU. Tudo está sendo um importante aprendizado para mim, sobretudo para, finalmente, conseguir ver aprovada no nosso Congresso uma proposta ainda mais avançada, a Renda Básica de Cidadania, transformada em lei exatamente há um ano e um dia atrás.