Título: Aula de democracia
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 12/01/2005, Internacional, p. A7

Para muitos analistas, os palestinos deram uma lição de democracia aos regimes árabes com a eleição de Mahmoud Abbas, também conhecido como Abu Mazen. Em especial, o resultado da votação - Abbas obteve pouco mais de 62% dos votos - marca um contraste com os quase 100% que costumam se atribuir aos dirigentes árabes nos simulacros que realizam.

A caricatura deste tipo de votação, freqüentemente estabelecida sob medida pelos serviços dos ministérios do Interior, foi a eleição do ditador deposto iraquiano Saddam Hussein, que reuniu 100% dos votos pouco antes da guerra contra os Estados Unidos, em março de 2003.

Resultados variando entre 80% e 99% foram registrados no Egito, na Síria, na Tunísia e na Argélia, enquanto que em Trípoli, o coronel Muammar Kadhafi, no poder há 35 anos depois de um golpe de Estado, eximiu-se de qualquer eleição, ao considerar que não assume as funções eletivas de chefe de Estado, mas as de ''Guia da Revolução Líbia''.

''Foi uma vitória da democracia, já que Abbas obteve menos de 99% dos votos, diferente dos demais dirigentes árabes em eleições realizadas em seus países'', publicou na segunda-feira, não sem ironia, o jornal libanês An-Nahar.

Abbas, que disputava a sucessão do falecido Yasser Arafat, somou oficialmente 62,32% dos votos na eleição presidencial de domingo, com um nível de participação de 65% dos inscritos. O próprio Arafat havia sido eleito em 1996 em condições qualificadas de democráticas.

O periódico da Autoridade Palestina, Al Hayat Al Jadida, considerou que ''a eleição palestina foi bem diferente dos falsos festivais democráticos promovidos nas circunvizinhanças árabes''.

- Os palestinos acabam de dar aos países árabes uma bela lição de democracia, em condições teoricamente desfavoráveis: ocupação militar israelense e ausência de consenso entre facções palestinas - destacou Amr Elchubaki, do Centro de Estudos Estratégicos de Al Ahram.

No entanto, Elchubaki afirma que ''o processo democrático palestino não será completo sem a integração das facções islâmicas'' e lamenta que o Hamas ainda não tenha produzido ''o discurso político imprescindível à integração às instituições democráticas''.

Para Nabil Abdel Fattah, também do Centro de Estudos Estratégicos de Al Ahram, ''os palestinos entenderam que o mundo não pode mais aceitar a violência como forma de resolver os conflitos''.