Título: Sharon oferece apoio a Abbas
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 12/01/2005, Internacional, p. A7

O primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, deu o primeiro passo. Ontem, conversou com o presidente eleito da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, por telefone, por dez minutos. Segundo o gabinete de Sharon, os dois acordaram ''continuar seu diálogo em um futuro próximo''. Sharon parabenizou Abbas por seu êxito nas eleições e desejou-lhe sucesso à frente da ANP.

- Estou oferecendo a você a nossa cooperação - disse o premier de Israel ao presidente eleito, segundo uma autoridade do governo.

A iniciativa foi bem recebida em Washington, segundo fontes da Casa Branca, que considerou o contato ''encorajador''. Mas o governo americano alertou que uma série de decisões difíceis a serem tomadas aguarda ambos os lados.

Antes de fazer a ligação, Sharon informou ao seu Conselho de Ministros que se encontrará com Abbas nas próximas semanas, no que será a primeira reunião entre ambos desde 2003. Nabil Abu Rdeina, assessor do presidente da ANP, assegurou que o encontro será depois da posse e da formação do novo gabinete. Segundo Rdeina, os palestinos não se opõem a voltar às negociações. A previsão é de que isso ocorra em duas semanas.

Abbas se reuniu ontem com o atual gabinete de governo, mas as mudanças já começaram. O assessor de Segurança Nacional, Jibril Rajub, anunciou sua renúncia depois de explicar que quer dar a Abbas espaço para escolher quem quiser. No sábado, uma reunião em Ramala, na Cisjordânia, definiu o que será mudado na área de segurança, uma das mais críticas. Participaram Abbas, Rajub; o primeiro-ministro, Ahmed Qorei e Mohamed Dahlan, ex-chefe da Segurança Preventiva na Faixa de Gaza.

- Recomendei que se acelere a fusão das forças palestinas em apenas três, e que sejam feitas mudanças radicais em sua estrutura e na liderança. Há um novo sistema político e trocas são lógicas - disse Rajoub.

A Fatah, facção liderada por Abbas, fez um pedido para que se alcance um cessar-fogo com Israel sob supervisão internacional. A informação foi creditada ao chefe da diplomacia palestina, Nabil Shaath. A decisão foi tomada em uma reunião do comitê central. O grupo pediu ao novo presidente que ''siga atuando por um diálogo para alcançar a unidade segundo um programa que permita à ANP avançar para a independência, a libertação e o regresso dos refugiados''.

A Fatah considera que esses objetivos devem ser realizados ''via um cessar-fogo sério e sob a supervisão internacional para permitir o fim à ocupação aliviar os sofrimentos do povo palestino e retomar o processo de paz''. Os dirigentes também analisaram a composição do próximo governo palestino e pediram a Qorei, que continuará no cargo, que traga propostas. Além da saída de Rajoub, outra mudança será a nomeação do general Naser Yusef para a pasta do Interior. Qorei queria nomeá-lo em novembro de 2003, mas Arafat vetou.

Nas ruas, a sensação de volta à normalidade trouxe, também, a amarga rotina de um dia-a-dia nos territórios ocupados, onde os bloqueios são a pior parte. Depois de três horas de espera em Kalandia, ao pé do muro de segurança erguido por Israel, a palestina Julia Saabah consegue atravessar para voltar à sua casa, com uma certeza:

- Abbas não conseguirá nos tirar dessa prisão - desabafa. Para a população, o campo de Kalandia, hoje uma cidade com 17 mil habitantes é a porta de entrada em Ramala. - Ele só serve para separar palestinos de palestinos. Tenho de passar por aqui se quero ver minha filha, embora ambas vivamos em terras palestinas, ela em Ramala e eu em Jerusalém - explica Saabah, de 73 anos.

A mulher, de uma família cristã, também votou em Abbas e confia que o novo presidente cumpra as suas promessas.

- Sou velha e estou cansada dessa guerra. O mundo tem de entender que esse muro nos rouba qualquer esperança de paz - completa, antes de pegar um táxi para a cidade santa.

Milhares de palestinos cruzam diariamente esse posto para trabalhar em outras cidades da Cisjordânia, ir ao médico, visitar a família ou mesmo resolver trâmites administrativos.

- Mais que estar contente pela eleição, me compadeço por ele. Nos prometeu que negociará com Israel, mas acho que nunca conseguirá um acordo com uma sociedade baseada na violência e que precisa sempre de um inimigo - avalia o advogado Mahmud Karrayn, de 50 anos, que vinha a Ramala.

A descrença de Karrayn não é isolada e sinaliza o tamanho do desafio a ser enfrentado pela nova liderança na ANP.

- Há oito meses busco trabalho. A Intifada me empobreceu, mas acho que a luta armada deve continuar até que consigamos o que queremos - acrescenta Mohamed Malah, de 35 anos, casado e pai de cinco filhos. Morador de Kalandia, também votou em Abbas e confia que seja ''forte e fiel ao seu povo, conseguindo devolver-lhe a terra''.

- Antes, ir a Jerusalém custava 15 minutos. Hoje são horas, mesmo com o passe - aponta Malah, olhando para a longa fila de carros aguardando a fiscalização dos militares israelenses. Ele esteve na cidade santa pela última vez em outubro, durante o Ramadã, assim mesmo, de forma clandestina.