Título: ''Fizemos justiça tributária''
Autor: Daniel Pereira, Luciana Otoni e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 28/01/2005, Economia & Negócios, p. A21

BRASÍLIA - A polêmica Medida Provisória 232 fará justiça tributária, pois corrigirá as distorções existentes na cobrança de tributos entre prestadores de serviço, autônomos e assalariados. Pelo menos esse é o argumento lançado pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, para tentar aplacar a forte reação negativa à MP que eleva de 32% para 40% a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das prestadoras de serviço que prestam contas com o Leão pelo regime do lucro presumido. Em entrevista ao Jornal do Brasil, Rachid diz que os defensores da correção da tabela do Imposto de Renda voltaram-se contra os trabalhadores. ¿ Num primeiro momento, todo mundo estava defendendo a classe trabalhadora por meio da revisão da tabela. Agora, com um número pequeno de prestadores de serviço onerados, mais de 20 vezes menor do que o universo de beneficiados no IR, há um reclame geral. Deixo essa curiosidade posta: todo mundo abandonou os trabalhadores ¿ acusa o secretário, que nega aumento da carga tributária e rebate as críticas citando as medidas para desonerar o setor produtivo, anunciadas desde o início do ano passado. ¿ Por que há tanta reação à MP 232?

¿ Falava-se na tabela do Imposto de Renda. Foi concedido o reajuste e mais de cinco milhões de pessoas foram beneficiadas com a revisão, gerando uma renúncia de R$ 1,5 bilhão. Quando o assunto foi buscar um equilíbrio na pressão tributária entre prestadores de serviço e assalariados, medida que atingiu cerca 230 mil empresas, o discurso mudou. Num primeiro momento, todo mundo estava defendendo a classe trabalhadora por meio da revisão da tabela. Agora, com um número pequeno de prestadores de serviço onerados, mais de 20 vezes menor do que o universo de beneficiados no IR, há um reclame geral.

¿ Especialistas dizem que os prestadores de serviço serão atingidos pesadamente em todas as faixas. Procede?

¿ Considerando os 230 mil contribuintes afetados pela MP 232, eles serão atingidos no limite de 1,92 ponto percentual, para quem tem lucro de até R$ 20 mil, e 2,7 pontos percentuais no caso de lucro maior.

¿ Empresas têm forçado trabalhadores a virar prestadores de serviço para diminuir os encargos trabalhistas. Como o sr. analisa isso?

¿ Vê-se que a questão está se tornando trabalhista e não tributária. O trabalhador que recebe até R$ 5 mil perde e muito ao abrir uma empresa. Acima disso, ele e a empresa saem ganhando. É preciso medir as cargas. No caso do assalariado, a alíquota efetiva média do IR é de 22%.

¿ Mas a realidade não é perversa? Em 1996, quem ganhava 10 salários mínimos ficava na faixa de isenção do IR. Hoje, é tributado na alíquota máxima de 27,5%. A comparação da pessoa jurídica com a física dá-se sobre uma base alta.

¿ Perverso é apenas 6% da PEA (população economicamente ativa) pagarem IR. O Estado tem de ter recursos para atender às necessidades desses 6% e mais 94% da PEA que nem renda têm para serem contribuintes. A desigualdade de renda é muito grande no país. O limite de isenção é uma vez e meia a renda per capita. Perverso é o sistema da concentração de renda.

¿ Por que não fazer justiça tributária por baixo, reduzindo o IR do assalariado, e não por cima, elevando o do prestador de serviço?

¿ Primeiro, a necessidade do Estado é grande. Segundo, a justiça tributária vem sendo feita e foi feita especialmente no ano passado com a redução a zero do PIS/Cofins para os principais produtos da cesta básica. Pegou o arroz, o feijão, os ovos...

¿ Mas não pegou a farinha de trigo e o pãozinho...

¿ Pegou as farinhas de mandioca e de milho, o leite, o livro. E isso atingiu não só os 6% da PEA que pagam IR, atingiu especialmente a população de baixa renda. Aí é justiça tributária.

¿ O sr. tocou num ponto fundamental que é o tamanho do Estado. Quando será possível discutir corte de gastos?

¿ Há preocupação do governo em relação aos gastos tanto que ele investiu na questão da reforma previdenciária, porque são os gastos obrigatórios que pressionam mais os livres.

¿ Fora os gastos obrigatórios, não há gordura para ser queimada? Os gastos com custeio cresceram 25% em 2004.

¿ Posso falar só em relação à Receita.

¿ Mas o problema estoura no sr., que tem de fechar a conta.

¿ É claro. Nós contribuímos no nosso orçamento, com redução de despesa, de gastos de passagem, de custeio. Passamos aperto também. Essa preocupação existe da parte do governo.

¿ Por que o governo não enviou projeto de lei sobre o novo IR para prestadores de serviço, já que a medida só entrará em vigor em 2006?

¿ Havia urgência por conta do princípio da noventena. A CSLL é cobrada a partir de primeiro de abril. E as duas (CSLL e IR) têm de vir juntas, porque senão amanhã eles falam ¿pô, vocês estão pegando de surpresa de novo, vocês já mexeram em uma e não mexeram na outra¿. Fora isso, vocês estão vendo só a questão do lucro presumido, mas medidas boas de combate à evasão tributária estão nessa MP. A retenção na fonte é uma delas, para produto agrícola, para o transporte. Muitas vezes a gente ouve ¿ah, mas está aumentando a carga¿. De fato, está aumentando para quem não estava pagando imposto no passado. Para quem está regular hoje, não tem nenhum efeito, porque ela é uma antecipação. No limite, teria a questão do fluxo, um efeito financeiro.

¿ Lideranças da base do governo acham que deveriam rejeita a MP.

¿ Rejeitar a MP daria um prejuízo de R$ 1,5 bilhão para os trabalhadores.

¿ Mas eles rejeitariam apenas os dispositivos que tratam da CSLL e do IR das prestadoras de serviço...

¿ O Congresso é local para o debate.

¿ O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse no Congresso que, caso houvesse crescimento econômico e de arrecadação, haveria redução da carga tributária no Brasil. Quando isso acontecerá?

¿ Já ocorreu, está ocorrendo, podemos até relembrar as 21 medidas de desoneração adotadas no ano passado.