Título: Eleição pode 'manchar' democracia
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Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2005, Internacional, p. A7

PARIS - Ativistas árabes de defesa dos direitos humanos afirmam que a eleição iraquiana tem falhas profundas e que manchará o nome da democracia. Segundo eles, a violência e a perspectiva de um boicote dos árabes sunitas põem o processo eleitoral em dúvida. Muitos árabes também questionam a credibilidade do pleito por causa da presença de 150 mil soldados dos EUA no país.

- A influência das eleições para nós, democratas, é desastrosa. Quando amplos setores da sociedade ficam à margem do processo político não é democracia - afirmou o ativista sírio Haytham Manna, de Paris, onde está exilado desde que deixou a Síria, em 1978. - Com esse exemplo, todos os extremistas árabes vão dizer: democratas, vão para o inferno, porque não conseguiram resolver nossos problemas com sua democracia e suas eleições.

Parte dos árabes sunitas do Iraque prega o boicote à eleição, por causa da presença americana e da violência. A possibilidade de que a maioria xiita e a minoria curda dominem a primeira eleição parlamentar desde a queda de Saddam Hussein, em abril de 2003, também suscitou temores de conflitos.

- Se os EUA realmente vêem as eleições iraquianas como um passo para a democracia, os árabes não precisam dela, porque ela será um salto para mais sangue e caos - afirmou Mokhtar Trifi, chefe do único grupo independente de defesa dos direitos humanos da Tunísia.

- As eleições pintam a democracia como se estivesse ligada à idéia de submissão ao ocupante americano - observou Abdel Halim Qandil, que faz campanha contra o governo do presidente egípcio Hosni Mubarak, que já dura 23 anos. - A noção de democracia vai perder completamente sua reputação no mundo árabe - acrescentou.

Ele ainda comparou o pleito iraquiano às eleições realizadas no Egito ocupado pelos britânicos: ''Brincadeiras democráticas desse tipo aconteceram naquela época'', disse.

Alguns dissidentes também acham que a violência no Iraque deu aos governos árabes uma desculpa para escapar da pressão por reformas democráticas.

Para o ativista egípcio Saadeddin Ibrahim, o caos no Iraque permitiu ao governo egípcio desacreditar o projeto dos EUA no país. O governo adverte Washington que reformas políticas no Egito podem provocar manifestações de extremistas.

Os ativistas também lembram o escândalo na prisão iraquiana de Abu Ghraib, no ano passado, como prejudicial à causa das reformas.

- Os governos árabes dizem: é essa a reforma executada por aqueles que querem que façamos reformas - disse Manaa, porta-voz da Comissão Árabe pelos Direitos Humanos.

A acadêmica saudita Madawi al-Rasheed vai além. Para ela, tanto o escândalo como o bombardeio ao reduto sunita de Faluja fizeram os EUA perder o apoio de seus aliados árabes naturais pró-democracia.

- As classes educadas e liberais não podem ter opiniões positivas em relação à América enquanto coisas como essas estiverem acontecendo - disse, de Londres.

Mas Rasheed acha que, se a democracia realmente criar raízes no Iraque, pode servir de exemplo para os outros árabes, opinião compartilhada por Shafiq Ghabra, presidente da Universidade Americana do Kuwait.

- Há hoje poucos lugares no mundo árabe onde existe essa expressão dinâmica de idéias e listas de candidatos - afirmou.