Título: Alerta contra a decadência
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 24/01/2005, País, p. A3

Em um movimento de autopreservação, políticos atuantes, de todas as tendências, estão convergindo em torno de uma preocupação comum: o abastardamento da vida política, na qual o debate de idéias e das grandes questões nacionais foi substituído pelo balcão diário da barganha. Vale mais no mercado de votos quem consegue carrear um volume maior de dinheiro ou de benesses para o seu curral eleitoral, seja um bairro, uma prefeitura, um estado ou cargo arrebanhado no jogo do toma lá, dá cá.

É a democracia que fica ameaçada - alertam esses parlamentares - quando a política vira um balcão de negócios, muitos deles escusos. À direita ou à esquerda, do governo ou da oposição, ruralistas ou socialistas, deputados que se agrupam em torno da reforma política ficam a cada dia mais preocupados à medida que a perspectiva de aprovação do projeto, após sucessivos adiamentos do cronograma original, avança a passos de cágado.

- A reforma política, que é parte integrante do ideário do PT, está sendo travada pelas barganhas às quais o governo se sujeita, embora assegure que deseja combatê-las - critica o deputado Chico Alencar (PT-RJ).

O alarme soou após a última eleição, quando as denúncias de fraudes, compra de votos e emprego maciço da máquina pública chegaram a um número assustador, ao mesmo tempo em que juízes dos tribunais regionais eleitorais alardeavam a impossibilidade de fiscalizar com eficiência as contas de milhares de candidatos.

O que mais preocupa os parlamentares é a tendência crescente de os políticos no exercício do mandato, em qualquer esfera de poder, se converterem num balcão ambulante de negociação, trocando votos por emendas no Orçamento, cargos, nomeações e verbas para a sua área de atuação.

Com o Executivo atuando como parceiro do jogo - para conseguir a indispensável maioria parlamentar - a oposição se transforma em moeda de troca e aos poucos se desintegra. O fenômeno é mais visível nas câmaras municipais.

- Nesse esquema, só vale a pena ser da base do governo. Troca-se de partido, faz-se qualquer negócio. Antigamente se alguém saía do PTB e ia para a UDN, ou vice-versa, era um escândalo. Hoje vale tudo. Não se briga mais por ideais, não se discutem temas essenciais como o transporte de massas, a explosão urbana, o combate à violência. Briga-se por uma ponte, uma ambulância ou um carro de defunto - lamenta o deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ), que foi presidente da Comissão Especial de Reforma Política.

O voto no partido, e não mais no candidato, a substituição do financiamento privado das campanhas por um fundo público e o fim das coligações proporcionais - que se transformam em acordos puramente interesseiros de legendas e aumentam as chances de determinados candidatos - são os pilares da reforma. Seus defensores opinam que, fortalecendo os partidos com alguma expressão, extinguindo as legendas de aluguel e combatendo o caixa dois, se poderá acabar com o vale-tudo.

- Até o fim do ano passado, 133 deputados haviam mudado de partido 166 vezes, a grande maioria aderindo às legendas que apóiam o governo. Isso é uma traição ao eleitor, uma total deformação do sistema - alardeia o líder ruralista Ronaldo Caiado (PFL-GO), médico formado no Rio que foi relator da reforma.

Apesar dos vícios e da decadência de costumes políticos, a reforma conta com opositores, que não são apenas os que se refestelam com a política de balcão. Cientistas políticos temem que em alguns partidos as listas de candidatos sejam manobradas pelos caciques e que o caixa dois perdure, agora para comprar uma boa colocação na lista. Pelo esquema proposto - predominante na Europa - as convenções dos partidos organizam as listas de candidatos. Os mais bem colocados nas listas têm mais chances de se eleger, dependendo do número de votos obtidos pela legenda.

- O que não pode é ficar como está. A eleição virou um encargo individual de cada político, que sai à cata de dinheiro, nem sempre de forma lícita. O custo excessivo das campanhas e a fragilização dos partidos deformam a vida política. Temos que mudar isso. A reforma é um passo para aprimorar o processo - rebate o ex-ministro da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, deputado do PSDB que se licenciou para assumir a Secretaria de Governo da Prefeitura de São Paulo.

O deputado Roberto Magalhães (PFL-PE) ressalta que a política do é dando que se recebe esvazia o conteúdo ideológico dos partidos e, se nada for feito, a Câmara, em pouco tempo, vai reunir apenas os detentores de grandes fortunas, ''lobistas, corporativistas e sindicalistas''.

- Acabou o debate doutrinário e ideológico. O PT está fazendo uma administração neoliberal. Antigamente os empresários, defensores da livre empresa, do livre mercado, não gostavam de ajudar partidos de esquerda. Hoje não têm o menor medo de negociar com o PT - critica.