Título: Coisas do Brasil: Lula, o Velho Chico e a utopia
Autor: Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2005, País, p. A2

Luiz Inácio Lula da Silva sempre sonhou entrar na História de seu povo. Não como coadjuvante, mas como protagonista. Em parte, este desejo começou a ser cumprido quando o ex-metalúrgico venceu o preconceito e se tornou presidente da República, em 2002, como cravou o grande Raymundo Faoro. Mas o filho de um Nordeste tão sofrido pelo castigo da seca eterna quer muito mais. Investe numa utopia, que se der certo, alçará seu nome ao patamar de mito. A empreitada é levar parte das águas do Velho Chico, que hoje teima perder-se no mar, para matar a sede de quem mais precisa. Na semana que passou, o governo começou a tirar do papel o projeto com orçamento inicial de R$ 4,5 bilhões. Outros R$ 5 bilhões seriam necessários para devolver a vida à bacia do São Francisco, passo essencial para permitir a chamada transposição.

As contestações daqueles que se opõem à iniciativa são duras. Tanto do ponto de vista técnico quanto político. Mas nada parece capaz de convencer Lula a deixar sua prioridade na gaveta, como fez o antecessor Fernando Henrique Cardoso.

O tucano chegou a colocar no Orçamento uma parte da verba para iniciar a obra no último ano do mandato. Sem explicação, contudo, o programa foi esquecido. Agora, chegou a vez de o petista provar a todos que não irá decepcionar aqueles que defendem a obra. Interlocutores sérios do chefe do Executivo reafirmam que não haverá recuo. Levar água a 15 milhões de pessoas nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará é decisão de governo e obstinação pessoal do homem que conquistou 53 milhões de votos na última eleição presidencial.

Por falar nisso, 2006 está logo ali com a hipótese real de recondução do presidente ao terceiro andar do Palácio do Planalto. Claro que reduzir o tamanho da transposição à mera questão eleitoral é pequeno demais para um país com pretensão de pensar grande. Mas que terá peso no pleito, poucos ousam negar. Afinal, se tudo sair como previsto, Lula terá realizado depois de mais de 100 anos um delírio vivido até pelo imperador D. Pedro II.