Título: Disputa interna na Fatah e divisão na sociedade
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2005, Internacional, p. A8

JERUSALÉM - A rotina tem sido sempre a mesma dos últimos quatro anos de Intifada nos territórios palestinos ocupados. A cada passo adiante corresponde uma violenta reação oposta, que destrói qualquer mínimo avanço. O ataque ao posto de controle na passagem de Karn, Faixa de Gaza, que deixou seis israelenses mortos, não foi diferente.

Para o analista Arnon Regular, do jornal Ha'aretz, há toda uma lógica perversa por trás da ação dos extremistas palestinos. O objeto, a princípio realizado, era o de implodir qualquer ganho de confiança obtido com as últimas eleições para a presidência da Autoridade Palestina. Mahmoud Abbas, o novo presidente, assume hoje devidamente amordaçado depois que o primeiro-ministro Ariel Sharon - com quem havia conversado na quinta-feira e a quem havia oferecido todo o apoio - avisou que os contatos foram suspensos indefinidamente até segunda ordem.

Sharon teria ficado particularmente irritado com declarações do presidente da ANP comparando a explosão em Karni com as operações militares israelenses em Gaza na semana passada. O líder palestino classificou ambas de ''atentados''.

- Os três grupos que assumiram a autoria da operação em Karni, a Jihad Islâmica, as Brigadas de Mártires de Al Aqsa e o desconhecido Comitê Popular de Resistência estão jogando um pôquer perigoso com Abbas - avalia Regular.

Ainda segundo o analista, as organizações planejaram cuidadosamente uma ação que era para ter grande visibilidade: os três atacantes usaram primeiro um caminhão carregado com explosivos, que foi lançado contra o bloqueio, antes de três atiradores invadirem o posto e atirar em quem estava lá dentro até serem mortos pelo Exército. Para as autoridades israelenses, justamente o fato de o grupo ter passado pelo controle da segurança palestina indica que Mahmoud Abbas não tem controle sobre os radicais.

Arnon Regular afirma, ainda, que desde a votação, as facções armadas de Gaza começaram a disputar entre si uma vez que a nova administração avisou que as reformas reduziriam o aparato policial.

Mais do que manter a luta contra Israel, os grupos da Fatah - facção do presidente de ANP - teriam planejado o ataque para acabar com as chances de Rashid Abu Shabaq, o chefe da segurança preventiva de Gaza, de dominar a nova estrutura. Também atingiram outro veterano da era Arafat, o até então poderoso Mohammed Dahlan.

Há quem veja a questão de outra perspectiva, bem menos otimista. Para o professor Khalil Shikaki, diretor do Centro Palestino para Pesquisas Políticas, o ataque significa que a vitória esmagadora de Abbas ''não reflete o pensamento da maioria da população quanto a terminar com a Intifada''

- O apoio de 62% para Abbas não significa que 62% dos palestinos apóiam o fim da violência contra Israel. Pelo contrário, há uma grande divisão sobre isso e muitos dos que votaram em Abbas o fizeram mesmo sem rejeitar o uso da força. Votaram em todo o pacote, que incluia também as reformas e o fim da corrupção - analisa.