Título: Assentamentos ameaçados
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, País, p. A3

A 50 quilômetros da sede nacional do Incra, um dos principais assentamentos da reforma agrária do Distrito Federal corre o risco de virar cortiço. As famílias do Assentamento Contagem não têm tido acesso ao Crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Em alguns lotes já existem até cinco famílias morando em condições de miséria.

A proprietária da chácara Seis Irmãos, Terezinha Brasil de Assis, de 55 anos, diz que só conseguiu financiamento do Pronaf há 10 anos, quando o assentamento foi inaugurado. O nome da chácara é uma alusão aos seis filhos de Terezinha, que estão retornando casados para a chácara. Ao todo, 21 pessoas vão compartilhar as cinco residências no terreno, com a chegada este mês de mais uma família.

- Tentei várias vezes o financiamento. Hoje nós vivemos da cestinha básica do governo e dos pés de mandioca, que não estão prestando para cozinhar - diz Terezinha.

Apontando o silo de fabricação artesanal, Terezinha afirma que o milho para alimentar as galinhas está acabando. As aves também estão acabando, pois ela teve de vender algumas em Sobradinho (DF) para alimentar a família. O mato cresceu no terreiro. Com lágrimas nos olhos, Terezinha reclama que nestes 10 anos de assentamento nunca viu um técnico do Incra.

O assentado Edilson Menezes construiu quatro casas dentro de sua propriedade. Segundo Antônio Francisco Justino, parente de Edilson, nove famílias que estavam recentemente na propriedade foram para acampamentos em Goiás para tentar receber glebas do governo.

- Além das quatro casas construídas, tínhamos dois barracos que foram derrubados - diz Justino.

Edilson ficou impedido de contrair empréstimo do Pronaf após ser fiador de outro assentado que não quitou o débito. Não é o caso do assentado Nélson Domingos Passos, de 81 anos, dono da chácara Nossa Senhora Aparecida. Ele afirma que quitou todos os débitos com o Pronaf e não consegue empréstimo novo há três anos.

- Eu queria plantar feijão, milho e mandioca. O dinheiro não saiu - lamenta Nélson.

Na chácara Nossa Senhora Aparecida, moram três famílias. A irmã de Nélson, Adolfina Francisa de Jesus, de 83 anos, cuida do fogão a lenha. Na sexta-feira, a família fez um cozido de carne com mandioca. Adolfina afirmou que as famílias já não conseguem comer carne todos os dias.

- Estamos vivendo mal. O dinheiro da aposentadoria é gasto com remédios. Aqui nunca passou uma pessoa do governo - diz Adolfina.

A sede do Incra em Brasília informou que a administração de recursos para os assentamentos é de responsabilidade das unidades nos estados. A gestora do Pronaf na Superintendência do Distrito Federal e Entorno, Rosa Linda, confirmou que no ano passado não foi firmado nenhum contrato de financiamento para o assentamento Contagem. Este ano, diz Rosa Linda, já foi firmado um contrato, mas o governo ainda não liberou o dinheiro.

Segundo Rosa Linda, as várias entidades de assistência técnica responsáveis pelos projetos não solicitaram nenhum pedido de financiamento para os agricultores do Contagem em 2003. A região do Distrito Federal e Entorno tem mais de 100 assentamentos. Na safra 2003/2004, o Pronaf só realizou 266 operações em toda a região. Para esta safra 2004/2005, só foram fechados 157 contratos do Pronaf. Grande parte dos assentados só planta mandioca. O mato, no entanto, já tomou conta da casa de farinha do assentamento.