Título: Iraquianos contra iraquianos
Autor: Arthur Ituassu
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Internacional, p. A8

Situação precária das tropas locais é tema do último relatório de Colin Powell no governo e alvo principal dos rebeldes

Na última sexta-feira, um ônibus com novos membros da Guarda Nacional iraquiana viajava de Bagdá a uma base militar americana na cidade de Baghdadi, a Oeste da capital.

Em Baghdadi, um major americano esperava os recrutas, com uma programação de treinamento especial para a segurança das eleições no país, marcadas para o próximo dia 30 de janeiro.

No caminho, uma granada foi lançada contra o ônibus. O artefato explodiu, tirando o veículo da rota. Homens armados se aproximaram, contaram 15 sobreviventes e os levaram seqüestrados. Não antes sem incendiar o que restou da ofensiva.

O ataque é somente um caso da mais recente tendência no Iraque, a violência que tem como alvo os próprios iraquianos. Desde outubro, há quatro vezes mais soldados iraquianos mortos em combates no país do que americanos. Nos primeiros 10 dias de janeiro, 108 iraquianos policiais ou membros da Guarda Nacional foram mortos, enquanto o Exército dos Estados Unidos perdeu 23 militares em ação.

A estratégia rebelde no país mudou de alvo, ataca agora exatamente o que Washington decidiu priorizar: as forças de segurança iraquianas. Não à toa, a situação das tropas locais foi o assunto principal do último relatório trimestral do secretário de Estado Colin Powell no cargo, enviado no início do mês ao Congresso americano.

O texto traça um cenário sombrio. Segundo Powell, que assina o documento, iraquianos estão sendo treinados às pressas e postos em situações de perigo extremo, sem condições de luta. Muitas unidades ainda esperam por armas e munição. Em tais condições, outros muitos preferem simplesmente abandonar seus postos.

O departamento de Estado afirma que a verba para o programa de treinamento tem que praticamente dobrar nos primeiros quatro meses de 2005, chegando aos US$ 2 bilhões. Dinheiro que servirá, entre outras coisas, para pagar os US$ 150 ao mês que um soldado iraquiano ganha, em um país onde a média de renda é de US$ 2 por dia e o desemprego bate os 40%.

''Vamos precisar de anos para preparar unidades militares e policiais viáveis se algo não for feito para incrementar de forma dramática o programa de treinamento local'', diz o texto. ''Vamos precisar de anos para que estejam prontas as capacidades logística, de liderança, de comando e de controle necessárias para o terreno. Capacidades que são essenciais e urgentes''.

- Tenho um amigo servindo no Iraque. Ele está lá desde o último verão [no Hemisfério Norte]. Ele me disse que, com relação ao treinamento de tropas locais, nós perdemos o ano de 2004. Todo um ano foi perdido - disse, ao JB, de Washington, o general aposentado William Nash, hoje membro sênior do Conselho de Relações Exteriores. - Como desorganizamos todo o Exército local depois da guerra, estamos começando do zero - explica.

Para lidar com o problema, a Casa Branca enviou a Bagdá, na semana passada, o general Gary Luck, assessor de George Bush na operação militar de invasão ao país árabe e ex-comandante das forças americanas na Coréia do Sul.

- Sua missão será ir lá e observar o treinamento das tropas iraquianas, ver em que ponto estamos, como o programa está sendo desenvolvido, e assessorar os comandantes no terreno - disse a porta-voz do Pentágono, Lawrence Di Rita.

Segundo o relatório do departamento de Estado, o general Luck encontrou no Iraque um aparato de segurança que, no melhor dos casos, se portou bem em operações conjuntas com os americanos. Um obstáculo de peso para qualquer intenção da Casa Branca de se retirar em breve da região.

- Os iraquianos não querem lutar pelo que percebem ser os interesses nacionais dos Estados Unidos. É preciso fazer com que vejam a luta como um interesse deles próprios. Espero que as eleições no fim do mês sejam um marco de mudança - afirma o analista James Phillips, da prestigiada Heritage Foundation, em Washington. - O presidente Bush sabe que o seu legado vai depender da situação que deixar no Iraque. Não pode sair de lá sem um ambiente de estabilidade mínima. Não pode sair de lá e deixar uma guerra civil no país - diz Phillips.

Em 30 de janeiro, para garantir a segurança do pleito, 100 mil policiais iraquianos estarão em ação nos postos eleitorais, teoricamente protegidos por outros milhares de membros da Guarda Nacional. Além dos 150 mil soldados dos EUA no país. O medo é o do popular ditado americano: ''patos se caça onde há patos''.