Título: Mau exemplo
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Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Opinião, p. A10

A eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados tem exigido do país um preço alto demais. Financeira e moralmente. Apagando as luzes do mandato de dois anos, que encerram no próximo mês, o atual presidente da Casa, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), despejou um eloqüente e pouco edificante saco de bondades no bolso dos colegas parlamentares. A conta, evidentemente, recairá sobre o pagador habitual: o exaurido povo brasileiro. A generosidade tem sido vasta. Concedeu-se, por exemplo, um reajuste de 25% da chamada verba indenizatória - uma ajuda de custo destinada a cobrir despesas de parlamentares em seus estados de origem. O aumento significa um gasto de R$ 18 milhões a mais para os cofres públicos. As benesses não se esgotam aí. Incluem reformas, até 2006, de todos os 432 apartamentos funcionais para deputados - hoje em mau estado de conservação. Pretende-se reajustar ainda o salário dos assessores dos deputados e aumentar o número de funcionários que os congressistas podem contratar livremente - passando de 20 para 25 funcionários por parlamentar.

Tais benefícios - ou pelo menos parte deles - podem até ser necessários. Pelo momento e pela maneira como vêm sendo conduzidos, no entanto, o pacote beira o insuportável para uma opinião pública já fortemente desiludida com os seus representantes - inconformada com os infinitos horizontes de abuso a que Brasília se habituou: a lista interminável de mordomias com poucos similares no planeta, de onde saem benefícios como auxílio-paletó, auxílio-moradia e passagens aéreas para os espichados fins de semana nos estados.

A Viúva não regateia migalhas. Nem se espera que faça isso com homens públicos e servidores, cujas funções requerem remuneração compatível e exigem recursos suficientes para tanto. Mas os limites da sensatez devem estar bem definidos. Não se pode sustentar na Câmara e no Senado, por exemplo, a semana de trabalho mais curta do mundo. Em tempos normais, os dias úteis são dois, no máximo três. Enquanto isso, dorme nas gavetas do Congresso uma numerosa agenda de reformas.

O saldo desalentador de custos e benefícios de deputados e senadores sugere que o país não suporta mais o tamanho atual do Congresso. Alimentam-se da horta dos benefícios e casuísmos descarados 513 deputados e 81 senadores. Não é exagero reconhecer a irrelevância de pelo menos um terço das duas Casas. Lixam-se para os embates entre governo e oposição. O exagero do número de parlamentares favorece apenas o chamado ''baixo clero'' - que, com voto e disciplina, pode decidir qualquer votação complicada. Tal decisão, contudo, geralmente reafirma não posições políticas ou ideológicas, mas o apetite por verbas e emendas.

Portanto, o debate sobre a reforma política - prometida pelo Planalto como prioridade para este ano - deve incluir a redução do número de representantes no Congresso, nas assembléias e nas câmaras de vereadores. Somando-se a mecanismos como fidelidade partidária, financiamento público de campanha e listas fechadas, é possível imaginar o fortalecimento das siglas e a redução do peso dos parlamentares que se preocupam mais com o próprio bem-estar do que com as missões que lhes são conferidas. Sem tais mudanças, os maus hábitos de Brasília persistirão.