Título: É importante a verificação das autenticações em guias fiscais
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Direito e Justiça, p. A21

Convém ao leitor observar com muita atenção as armadilhas ocultas quando tiverem de assinar a escritura pública de compra e venda de imóveis, como também em qualquer tipo de documento ou transação que haja acompanhamento de certidões, em virtude de muita gente confiar naquela autenticação mecânica, que, no entanto, pode facilmente ser falsificada, como já tivemos oportunidade de conhecer alguns casos, inclusive um que agora mesmo foi descoberto depois de alguns anos. Trata-se do seguinte: quando se adquire um imóvel, surge um acordo entre vendedor e comprador sobre quem arcará com as despesas das certidões. Geralmente acaba sobrando para o comprador, cabendo ao vendedor a certidão de ônus reais. Além das certidões há o pagamento do imposto de transmissão (em São Paulo é conhecido por "sisa" e aqui por transmissão inter-vivos), sem o que o tabelião não pode lavrar a escritura. Há também o hábito comodista de muita gente deixar para o escrevente, que é um preposto do cartório, a requisição de todas as certidões e o pagamento do imposto de transmissão. Alguns dos escreventes já têm despachantes e delegam essa tarefa, outros eles mesmos é que providenciam a obtenção das certidões e o pagamento do imposto. Porém, nem por isso o comprador deve se descuidar de verificar as autenticações nas guias e principalmente na guia de pagamento do imposto, pois conhecemos casos em que o encarregado tinha uma máquina autenticadora velha, adquirida ou roubada, que autenticava o documento e como as autenticações aparentam a mesma imagem e não é fácil distinguir no ato se aqueles números são autênticos ou não, passava-se como pago o imposto e a respectiva guia era normalmente mencionada na escritura, o que obrigou o empregador a pagar os impostos não recolhidos quando descoberta a trama.

No caso citado e agora descoberto, o imóvel foi adquirido há vários anos, o imposto de transmissão foi "pago" e a escritura foi lavrada e registrada no Registro de Imóveis, só que agora resolveu o comprador daquele imóvel vendê-lo e apareceu o débito referente ao imposto de transmissão da época da compra do imóvel, quando o comprador "pagou", mas alguém não recolheu e falsificou a autenticação, já estando identificada a pessoa que cometeu o deslize. Suspeita-se de funcionária que já teria sido demitida, cabendo ao cartório onde foi lavrada a escritura com a guia do imposto falsificada, responder pelo ato ilícito do servidor ou a quem ele delegou, como também cabe ao cartório a quitação do débito, a esta altura bem elevado.

Aliás, o novo Código Civil, no seu Artigo 932-III , é bem claro nessa responsabilidade: "São também responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele", que combina com o Artigo 927 e outros do mesmo Código Civil e de outras leis específicas que regulamentam os cartórios, assim como dá ao empregador o direito de regresso, isto é, de reembolsar-se através de processo contra o infrator, além da cabível queixa-crime. Obviamente que, em sendo uma funcionária e até preposta que tenha cometido o ato ilícito, a responsabilidade legal e jurídica é do empregador, cabendo nesse caso não só a reparação do dano material como também o dano moral, que a nosso ver deverá ser bem elevado, em virtude de tratar-se de serviço essencial que pode fomentar elevados riscos à comunidade e causar impactos prejudiciais aos que administram corretamente o sistema.

Felizmente, temos absoluta convicção de que na maioria ou em todos os cartórios da cidade do Rio de Janeiro há um grande respeito, responsabilidade e correção nos seus serviços e funcionários trabalham com dignidade e sem a mácula do ato ilícito. Ademais, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro está empenhadíssima na moralização de todos os serviços judiciários e cartórios que estão sob sua fiscalização tem ampla cobertura na fiscalização de seus atos. Temos assistido de perto o empenho do Tribunal nessa onda avassaladora de purificar a máquina judiciária, cuja Corregedoria tem agora à sua frente o ilustre e inteligente Desembargador Carpena Amorim.

Perguntaram-nos: além da responsabilidade pelos atos ilícitos de prepostos e serviçais, o empregador acima como ficará perante o órgão fiscalizador, já que o ato praticado, por mais que queira o acusado defender-se, provocará onda de desconfiança e revolta? Respondemos, porém, que certamente haverá correição funcional, afastamentos e outras punições que a lei indicar e aqui no Rio é rigoroso, além do processo que será proposto pela parte prejudicada.