Título: Já é carnaval em Pernambuco
Autor: Julio Calmon
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Viagem, p. 7

Uma democrática reunião de ritmos e manifestações culturais toma conta de todo o estado durante a folia momesca

No Centro de Recife, toda segunda-feira de carnaval, quando o relógio bate meia-noite, as luzes do bairro São José se apagam e os tambores começam a rufar. É o início do ritual da Noite dos Tambores Silenciosos, uma reunião de grupos de afoxé e maracatu, entoando cantigas e preces em homenagem aos antepassados escravos, um misto de folia com celebração religiosa. Uma verdadeira aula de cultura brasileira. A tradicional manifestação é apenas uma das centenas que explodem em todo estado, começando no sábado momesco com o Galo da Madrugada - segundo o Guiness Book, o maior bloco de carnaval do mundo, com cerca de 1,5 milhão de foliões.

Mas, na verdade, nem é preciso esperar o carnaval chegar para se ter uma idéia da folia. A algumas semanas da comemoração, Recife e Olinda já fervem em alegria. Durante todo o mês de janeiro até o carnaval, a região metropolitana se prepara para a grande festa com as prévias dos principais blocos de maracatu, frevo e samba. É só dar um pequeno passeio pelo Centro Histórico de Olinda ou pelas ruas do bairro do Recife Antigo que se observa as mais diversas manifestações carnavalescas, das mais tradicionais às vanguardistas.

O carnaval de Pernambuco é um dos mais importantes do Brasil. Além de toda pompa que Olinda e Recife carregam, há festejos em praticamente todo o estado. São comemorações espontâneas que remetem ao carnaval de 20 ou 30 anos atrás da região metropolitana.

Quem vai passar o feriado pelas bandas de lá terá um delicioso problema: fazer um roteiro que inclua todas as cidades. No interior, em Bezerros, a cerca de 110 quilômetros de Recife, no domingo, a apresentação dos Papangus (foliões mascarados) atrai cerca de 150 mil pessoas ao pequeno município. A 90 quilômetros da capital, Nazaré da Mata promove o Encontro de Maracatus, a grande atração na segunda-feira.

No último dia de carnaval, a cidade de Triunfo, no Sertão de Pernambuco, apresenta os Caretas, personagens mascarados que dançam e fazem acrobacias com chicotes.

Outras cidades também preparam o terreno para o carnaval. Aliança, Goiana, Itamaracá, Pesqueira e Vitória de Santo Antão têm programação confirmada pela Empresa Pernambucana de Turismo (Empetur).

Quem estiver hospedado em Recife não terá problemas para se locomover. Além de ônibus regulares que ligam a capital às cidades do interior, segundo o presidente da Empetur, Kléber Dantas, os principais hotéis criam programas de translados que custam, em média, R$ 60 por pessoa, sem alimentação.

- A descentralização do programa serve para o turista ter uma idéia da diversidade cultural do carnaval de Pernambuco - diz Kléber.

Apesar de ter o seu charme, a folia do interior pernambucano não se compara às comemorações em Olinda e Recife. Na capital, já no sábado de carnaval, o gigantesco Galo da Madrugada carrega uma multidão pelas estreitas ruas do Centro da cidade, em um circuito de cinco de quilômetros. São 30 trios elétricos e três palcos com bandas pernambucanas tocando muito frevo e marchinhas.

Ao longo dos quatro dias, diversos blocos de maracatu e frevo desfilam na cidade. Como nos últimos anos, segundo o secretário de turismo de Recife, serão reeditados os pólos culturais em pontos da cidade. O principal será montado na Praça Marco Zero, bairro do Recife Antigo, com a apresentação de nomes importantes da música brasileira. Além desse, Recife irá contar outros pólos, atendendo ao universo multicultural ao sabor de muito frevo, maracatu, caboclinho, ciranda, coco, samba, rock, reggae, manguebeat, música infantil, desfiles de blocos e fantasias.

Este ano, o carnaval da cidade homenageia dois ícones da cultura pernambucana: Dona Santa, a Rainha do Maracatu de baque virado (com batidas polifônicas), e o Mestre Salustiano. Aos 85 anos, Dona Santa morreu em 1962. Já Salustiano tem 59 anos, e além de mestre do maracatu de baque solto (com uma batida mais tradicional, contínua), é produtor músical, artesão e professor.

Já nas ladeiras íngremes do Centro Histórico de Olinda, durante o carnaval, a folia não tem hora marcada. Os mais diferentes blocos carnavalescos carregam um milhão de pessoas pelas estreitas vielas. Uma das marcas registradas da cidade são as grandes alegorias-personagens. Medindo até três metros de altura, os Bonecos de Olinda invadem as ruas da Cidade Alta, dando um colorido especial à folia. Desde 1932 desfilando, o mais famoso de todos os bonecos, o Homem da Meia-Noite, abre oficialmente o carnaval de Olinda, na madrugada de sexta-feira para sábado. Em 1967, ele recebeu a companhia da Mulher do Meio-dia.

Entre troças e blocos, as agremiações de carnaval de Olinda somam mais de 500. O principal ponto de encontro fica em um cruzamento entre a Ladeira da Misericórdia e a Rua Prudente de Moraes, mais conhecido como os Quatro Cantos. Dos mais tradicionais blocos, destaque para o Elefante, Pintombeira dos Quatro Cantos, Bacalhau do Batata, Eu Acho é Pouco, Patuscos, Ceroula e Flor de Lira. Alguns se diferem pelo humor, como o Enquanto Isso na Sala de Justiça - que reúne os mais fantásticos heróis, como o Batman, o Super-Homem, a Mulher-Maravilha, e também o Supermercado e a Superquadra de Brasília - e o bloco A Porta, que tem como o estandarte uma porta de madeira.

Segundo o Secretário de Patrimônio, Ciência, Cultura e Turismo de Olinda, João Falcão, a novidade este ano fica por conta de uma passarela montada na parte baixa da cidade, por onde desfilarão os mesmos blocos que passam pelo Centro Histórico.

- O lugar terá arquibancadas e camorotes. Vai atender ao público, geralmente idosos e crianças, que não quer enfrentar a multidão da Cidade Alta - explica.