Título: ''É preciso que o povo veja a polícia''
Autor: Leandro Bisa
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Brasília, p. D3

O jovem Athos Costa de Faria deixou em 1957 a pequena Ipameri, no interior goiano, e desembarcou em São Paulo, usando um terno azul marinho e carregando uma única maleta, onde estava todos seus objetos. O sotaque carregado e o jeito jeca o transformaram em alvo de gozações entre os colegas da cidade grande. Sem dar importância, o rapaz se dedicou aos estudos, fez concurso para o Exército e, em 1959, foi declarado aspirante oficial da Academia Militar das Agulhas Negras. Passou 42 anos na ativa, trabalhou em diversos Estados do País e chegou ao posto de general. Hoje, aos 69 anos, é casado há 40 anos ¿ "com a mesma mulher¿, frisa o general ¿ tem cinco filhos e seis netos. Esse é o perfil do homem que tem a responsabilidade de coibir o crime e garantir a segurança de cerca de dois milhões de brasilienses. Nesta entrevista, o secretário de Segurança Pública comenta os dados sobre a criminalidade em 2004, os projetos para 2005, fala sobre o crime organizado no Entorno e o número cada vez maior de adolescentes no crime. - Houve redução nos índices de roubo contra o patrimônio comercial, como bancos, casas lotéricas, comércio e postos de gasolina. É o trabalho da Secretaria ou os empresários é que têm investido em segurança?

- Não é que os empresários têm investido em segurança. De algum tempo para cá, nós incentivamos os empresários a participar do processo de segurança, inclusive se organizando, para que pudessem trazer propostas e orientação. Como esse tipo de crime é mais audacioso, o aumento do policiamento preventivo e ostensivo nas ruas concorreu para a diminuição.

- Mas os roubos contra o patrimônio da pessoa aumentaram: seqüestro-relâmpago, roubo com restrição de liberdade, roubo a residência e roubo de veículos. Como o senhor explica isso e o que está sendo planejado para combater esses crimes, em 2005?

- Nesses casos, dificilmente se consegue perceber previamente a ação criminosa. Normalmente, só depois de consumada. Por exemplo, o seqüestro-relâmpago é cometido por alguém que se confunde com a população, que passa por um cidadão de bem dentro de um banco, dentro de uma casa comercial. É muito difícil agir preventivamente, a não ser através de serviço de inteligência. Da mesma forma, nos assaltos em residências, as pessoas agem furtivamente. Quando se tem conhecimento, a pessoa já está dentro da casa, já perpetrou o assalto. Nessas modalidades, sempre procuro esclarecer e alertar a população sobre o cuidado que cada cidadão toma consigo mesmo, com a sua segurança pessoal e com a segurança do seu prédio, da sua residência.

- Mas é possível fazer alguma coisa, como um plano de segurança ou intensificar as rondas para que esse tipo de crime diminua? É possível realizar algo, além dos cuidados pessoais?

- É possível. A Secretaria de Segurança é um verdadeiro laboratório. Nos reunimos, aqui, três vezes por semana - segunda, quarta e sexta-feira. O nosso sistema de inteligência atua, permanentemente, trazendo dados e propostas. Lamentavelmente, a modalidade criminosa, no mundo todo, está num processo de crescimento. Mas nós aumentamos, em cerca de 800 veículos, só no ano passado, o patrulhamento da cidade. Investimos na aquisição de helicópteros. Já tiramos de circulação mais de 4 mil armas, e, mesmo assim, continua alto o índice de crime praticado com arma de fogo. Nós estamos passando, talvez, por um fenômeno. As causas primeiras não estão na área de segurança pública. As causas primeiras, muitas vezes, estão na área social, na falta de lazer, na falta de oportunidade do jovem, na desagregação familiar. A maior incidência que se verifica em toda a área de criminalidade está entre os jovens cim idade entre 14 e 26 anos.

- Falando nisso, cerca de 70% dos crimes graves, ocorridos em Brasília, são cometidos por menores. Por exemplo, de 232 pessoas presas em outubro do ano passado, por crimes violentes, apenas 60 eram maiores. Como a Secretaria vê isso?

- É muito preocupante. O problema da violência com o jovem não é da segurança pública. É um problema ligado, às vezes, à falta de apoio familiar, à falta de diálogo com a família, à falta de oportunidade, à ociosidade do jovem que não tem um lazer, não tem uma atividade, não tem um trabalho, não estuda. O desaguadouro acaba sendo a segurança pública, porque, a partir do momento que esses jovens praticam violência ou atentam contra a ordem pública, nós temos que atuar. Tenho procurado contato diário com a Secretaria de Educação. Já fizemos convênio oferecendo policiais para irem às escolas, para dar orientações com relação ao uso de droga e de bebida. O mesmo acontece com o Caje. Para mim, a origem primeira de toda essa violência é a droga e a bebida. O próprio Ministério Público, numa conversa comigo, deixou transparecer que, dos crimes julgados no Distrito Federal, cerca de 75% dos réus praticaram o delito sob efeito de bebida alcoólica.

-Hoje, qual é a região mais violenta do DF?

- Nós não divulgamos dados sobre isso, mas eu tenho o levantamento do índice de criminalidade em cada região, semanal e mensalmente. Não difundimos isso porque procuramos preservar a população, para não criar constrangimento e até prejuízo. Certa vez, eu disse que, infelizmente, o índice de criminalidade no DF, muitas vezes, é conseqüência de pessoas que vêm do Entorno, praticam o crime aqui e depois retornam. E falei o nome de duas localidades. Aquilo atingiu a população daquelas localidades, que se sentiu ofendida, bem como as autoridades. A partir daí, eu procurei evitar citar nome de cidades, porque divulgar isso não contribui para a solução do problema e, ao invés de trazer benefício, acaba trazendo prejuízo. O que posso dizer é que, as localidades, quanto mais afastadas do centro - em especial, as que estão mais próximas do Entorno - mais são alvo de violência. Ainda no mês de janeiro, devemos distribuir cerca de 300 viaturas. Estou esperando que a gente possa fazer isso antes do Carnaval, para que, no Carnaval, nós já possamos reforçar muito o policiamento dessas cidades mais distantes, e levar esse policiamento também à área rural.

- Delegados do DF e o próprio secretário de Segurança Pública de Goiás falam sobre o crime estar se organizando no Entorno para cometer delitos no Distrito Federal, principalmente tráfico de drogas e roubo, em particular de carros. O secretário de Segurança Pública de Goiás afirmou que a região corre o risco de se tornar uma grande Baixada Fluminense. Brasília seria Copacabana, e o Entorno seria os morros. Como a Secretaria de Segurança Pública do DF vê essa questão?

- Nós temos apoiado a segurança de Goiás nas investigações. Particularmente, naqueles crimes que têm mais repercussão, ou daqueles crimes de maior violência. Temos até fornecido equipamentos. Estamos em vias de assinar um convênio entre Goiás e o Distrito Federal para que possamos realizar ações em conjunto com mais freqüência, inclusive utilizando helicópteros, porque nós acreditamos que a partir do momento que nós passarmos a agir integradamente, vamos melhorar muito a segurança do Distrito Federal e do Entorno.

- Como a secretaria pretende atuar para coibir o roubo a cargas no DF, que aumentou 131% em 2004?

- Nós inauguramos no final do ano passado o nosso Gabinete de Gestão Integrada, o GGI. E com a inauguração do GGI, vamos trabalhar com a Polícia Rodoviária Federal, com a Polícia Federal e com a segurança de outros Estados também. Está dentro do contexto de segurança integrada, conforme prevista pelo Ministério da Justiça. Pretendemos que essas ações, em conjunto, possam trazer melhorias. É muito bom que se faça também um esclarecimento. Por que, de repente, começa a crescer determinadas modalidades que não apareciam antes nas estatísticas do Distrito Federal? É exatamente pelo fato de bandidos sentirem e ter confiança maior na segurança do Distrito Federal. A maioria dos casos de roubo de cargas não ocorre no território do Distrito Federal, mas os registros são feitos aqui. São caminhões que estão em viagem, passando pelo Distrito Federal, e eles preferem fazer o registro aqui porque sabem que a nossa Polícia, em termos de investigação, está muito bem. Não tenho dúvida de que a nossa Polícia Civil é a melhor para investigação que existe no País. Mais de 70% dos crimes denunciados são apurados. Nestes meus quatro anos de gestão à frente da Segurança Pública do Distrito Federal, não houve um caso de crime de repercussão que a nossa polícia não tenha desvendado. O mais famoso é o caso do Pedrinho. Depois de tantos anos, a polícia acabou desvendando. A capacidade investigativa da nossa Polícia Civil é extraordinária. Nós temos hoje quase 40%, medido informalmente, de pessoas que saem em aventuras amorosas e depois vão à delegacia e registram um seqüestro-relâmpago. Isso, inclusive, é um desserviço que fazem, porque mobiliza a polícia não houve crime nenhum. Tivemos, inclusive, casos comprovados de que o próprio indivíduo foi ao caixa eletrônico, sacou dinheiro, depois disse que tinha sofrido seqüestro-relâmpago.

- Quais os investimentos previstos para este ano?

- O governador tem dito que este é o ano da segurança pública. Eu acredito realmente nisso. Primeiro, o nosso Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) está em fase final de construção. A implantação desse centro e a colocação de todos os equipamentos, para organizar esse centro, é uma evolução tecnológica sem precedentes na segurança pública do Distrito Federal. Vai nos permitir um atendimento pronto, quase que imediato, à população. Vai nos permitir monitorar todo o trânsito do DF em satélite, termos um controle, inclusive, dos destinos das nossas viaturas. Estamos colocando mais três helicópteros em operação. Um helicóptero para o Corpo de Bombeiros, que nós já compramos, permite realizar o resgate de até oito pessoas. Já tenho autorização para adquirir um helicóptero menor, de reconhecimento, para a Secretaria de Segurança Pública. Além disso, este ano também é o ano que vamos construir os três Centros Integrados de Operação de Segurança Pública na área rural. Já estão licitados. O contrato deve ser celebrado ainda neste mês e nós esperamos que, até agosto ou setembro, já possamos inaugurar esses centros. Pretendemos expandir, ainda, a implantação da segurança comunitária.

- Qual é o crime que mais assusta o cidadão Athos Costa de Faria?

- O que mais me preocupa é qualquer modalidade criminosa que atente contra aquilo que o indivíduo tem de mais sagrado: sua vida. Então, o homicídio e o latrocínio, para mim, são os crimes multi-hediondos. Mas a gente não deixa de se aborrecer quando vê outras modalidades criminosas crescendo, porque trabalhamos com muita seriedade. Como autoridade, disponho de uma segurança nos eventos oficiais, quando vão me apanhar em casa, etc. Mas eu levo minha vida pessoal de cidadão, e nessas oportunidades, vou a restaurantes, só eu e minha esposa, freqüento cinema, passeio pelos shoppings, vou ao supermercado, tudo como cidadão comum. Até me perguntam, nos shoppings e nas quadras: ''o senhor anda sozinho, não tem segurança?'' Eu digo: não tenho segurança, não. Agora, é como eu digo sempre: tomo alguns cuidados. É lógico que procuro estacionar meu carro em local de maior movimento, procuro, logo que entro no carro, travar as portas, fazer uma vistoria antes de sair, quando estou chegando. São esses cuidados normais que quando se está andando, ou entra num estabelecimento bancário, ou num caixa eletrônico. Tomo sempre os cuidados da observação. Mas procuro viver a vida. Acho que para o cidadão é importante que ele tenha segurança, mas é muito importante também que ele tenha a sensação de segurança. É preciso que a população veja a polícia na rua, que ela veja os veículos circulando, que ela veja as áreas patrulhadas, porque aquela presença física traz sensação de segurança.