Título: Além do Fato: Ditadura fiscal
Autor: Antonio Oliveira Santos*
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2005, Economia & Negócios, p. A18

Há pouco tempo, o governo dispensou tratamento mais favorável aos investidores no mercado financeiro (Lei nº 10.892, de 13/7/04) e ao setor industrial (MP 206, de 6/10/04). À época, a Confederação Nacional do Comércio apoiou tais medidas, através de artigos na imprensa, mas cobrou iniciativas governamentais semelhantes em favor do comércio de bens, serviços e turismo e para as pessoas físicas. Agora, pela Medida Provisória 232, de 30/12/04, a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas foi corrigida, muito embora tenha sido utilizado um índice (10%) muito inferior ao que corresponde à defasagem (37%). A dedução por dependente, por exemplo, foi reajustada em R$ 11, isto é, para R$ 117, um achincalhe para os contribuintes. Ao mesmo tempo, no entanto, a citada MP introduziu diversas alterações na legislação do Imposto de Renda e das contribuições sociais, que importam em mais um aumento da carga tributária e mais uma discriminação contra o setor de serviços da economia, que abrange cerca de 4 milhões de empresas, que empregam cerca de 5 milhões de trabalhadores. Em outras palavras, o governo aproveitou a MP para impingir, notadamente às empresas do setor de serviços, um verdadeiro pacote preto.

Com efeito, a MP 232/04 elevou (art. 11), brusca e injustamente, o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das empresas de prestação de serviços em geral, aumentando de 32% para 40%, a base de cálculo de incidência pelo lucro presumido, a qual já havia sido aumentada de 12% para 32%, sendo improcedente a alegação da Receita Federal, no sentido de que essa alteração visaria aproximar a tributação entre as pessoas físicas e as pessoas jurídicas. A Receita não considerou que as pessoas jurídicas são, ainda, tributadas pela Cofins, Contribuição ao PIS/PASEP e CSLL e pelo ISS municipal. Essa alteração, a par de prejudicar o planejamento tributário das prestadoras de serviços, sobretudo as de médio e pequeno porte, resultará na ampliação da informalidade na economia, assim contrariando os propósitos do próprio governo. A MP elevou (art. 8º), de 1% para 1,5% (50% de aumento), a retenção do Imposto de Renda na fonte pagadora de serviços prestados pelas empresas de limpeza, conservação, segurança, vigilância e locação de mão-de-obra, alteração essa que se choca com os esforços do governo para reduzir o desemprego.

A MP aumentou a burocracia (art. 7º) nos pagamentos efetuados por pessoas jurídicas às empresas prestadoras de serviços de manutenção de bens móveis e imóveis e de transporte em geral, de medicina em ambulatórios, bancos de sangue, casas e clínicas de saúde, casas de recuperação e repouso, hospitais e pronto socorros, e de engenharia relativos à construção de estradas, pontes, prédios e obras assemelhadas, que passaram a ficar sujeitos à retenção do Imposto de Renda na fonte pagadora de 1,5%, quando essa prática, instituída recentemente, provocou um brutal aumento da burocracia e das despesas da contabilidade, sobretudo para as empresas de pequeno e médio porte. Aumentou, ainda (art. 5º, que dá nova redação ao art. 30 da Lei 10.833, de 29/12/03), a burocracia e os custos nos pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas às empresas prestadoras dos serviços de medicina, engenharia, publicidade e propaganda, que passaram a ficar sujeitos à retenção na fonte, não só do Imposto de Renda, mas também da CSLL, Cofins e contribuição ao PIS/Pasep.

De forma extravagante, a MP criou (art. 9º) a tributação pelo Imposto de Renda e pela CSLL dos ganhos de capital escriturais, conceituando como receita ou despesa a variação de todo e qualquer investimento feito no exterior pelas pessoas jurídicas, abrindo caminho, desse modo, para a tributação da variação do valor contábil dos investimentos no próprio país. A Constituição, todavia, não autoriza, de modo algum, tal tributação.

Por outro lado, a MP (art. 10, que altera o Código de Processo Fiscal), agredindo a Constituição (art. 5º, inciso LV), viola o direito de defesa dos contribuintes em geral (pessoas físicas e jurídicas), proibindo o recurso aos Conselhos de Contribuintes, nos casos de obrigações acessórias, restituição, ressarcimento, compensação, redução, isenção ou imunidade de tributos e contribuições e, ainda, aos integrantes do Simples e nos casos de valor inferior a R$ 50 mil, induzindo a todos a recorrer ao Judiciário, justamente no momento em que o Congresso Nacional promulga uma emenda para aperfeiçoar o funcionamento da Justiça. Além disso, o mesmo artigo 10 obriga os contribuintes, de forma ditatorial, a usar meios eletrônicos para interpor recursos e, visando facilitar o trabalho da Secretaria da Receita Federal, institui a intimação dos contribuintes, mediante inserção no site desse órgão, impondo, assim, aos contribuintes a manutenção de computador e a contratação de serviços da internet, para consultas diárias.

Por todas essas razões, a Confederação Nacional do Comércio, entidade representativa do empresariado do comércio, de bens, serviços e turismo, congregando cerca de 5 milhões de empresas, espera que o Congresso Nacional reajuste adequadamente a tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas e negue aprovação ao restante da MP 232 que, como está, configura ação típica de governo fascista e autoritário, que não respeita direitos dos cidadãos que estão empenhados em construir o progresso do país e de seu povo.