Título: Único computador serve até para inscrição em concurso
Autor: Gustavo Igreja
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Brasília, p. D5

Depois de instalar um computador e conectá-lo à Internet, Delson Matos já perdeu as contas de quanta gente o procurou para pedir ajuda. Só para o concurso do Metrô, previsto para este semestre, fez uma série de inscrições. Gente como Maria Gilda de Souza Lima, 40 anos, que trabalha num consultório odontológico local e sonha em ter o filho aprovado numa das seleções. - Cansamos de perder oportunidades e informações importantes para nós por conta dessa exclusão. O último exemplo que me lembro foi um concurso que tinha inscrição apenas pela Internet e que meu filho perdeu porque, quando descobriu, estava no último dia e não tínhamos nos preparado para pagar a taxa de participação - lembra ela.

Mesmo com tanta gente morando na região, também não há agências bancárias na Fercal. O único posto de instituição financeira existente lá é uma unidade da Caixa Econômica, aberta há sete meses, onde se pode apenas pagar contas. Quem precisa ir ao banco vai a Sobradinho. Se não tem carro próprio, espera um dos ônibus que passam de duas em duas horas.

Mas não são só as perdas de concursos e vagas de emprego os prejuízos reclamados pelos moradores da Fercal. Como lembra Maria Gilda, apesar de totalizarem milhares de votantes, informações sobre os políticos do DF só chegam aos povoados em época de eleição. Fora uma ou outra notícia de acusação de assassinato - e crimes de igual gravidade - envolvendo parlamentares locais ou futuros candidatos, os mais de 10 mil eleitores da Fercal não têm idéia do que acontece na Câmara Legislativa do DF, por exemplo.

- Não dá para conhecer político nenhum assim. O dia-a-dia deles a gente não conhece. Não sabemos o que eles fazem, se cumprem as milhares de promessas que fazem para nós, se nos ajudam de alguma forma. Como vota desse jeito? - questiona Maria Gilda.

Longe dos grandes mercados e lojas do DF, Edivânia Conceição Trindade, 27 anos, tem na ponta da língua o que, diariamente, mais faz falta à comunidade (em sua quase totalidade, muito carente):

- E as promoções? A gente não sabe nunca onde o arroz está mais barato, onde o feijão está mais barato, as roupas, tudo! É a notícia que corre mais rápido aqui. Se alguém vai a Sobradinho e vê promoção, já volta logo contando para todo mundo. Eu mesma estou esperando a oportunidade de comprar uma TV, que ainda não tive condição! - comenta.

Os comerciantes de Sobradinho, donos das lojas maiores, já perceberam a chance de fazer negócio e, diariamente, enviam à Fercal carros de som anunciando promoções. Durante todo o dia os veículos dividem com os caminhões que passam pelo local - transportando cimento produzido nas fábricas próximas - a estrada que corta os vilarejos.