Título: Bairro do DF está isolado do mundo
Autor: Gustavo Igreja
Fonte: Jornal do Brasil, 16/01/2005, Brasília, p. D5

Se ninguém for ao Plano Piloto ou a Sobradinho buscar notícias, moradores da Fercal não saberão o que ocorre na capital

Engenho Velho é a típica vilazinha do interior do País. As poucas casas ficam à beira da estrada. Todos se conhecem e a melhor fonte de informações ainda é a boa e velha prosa, já que não existe lá noticiário local. Toda notícia que chega da cidade grande vem sempre atrasada, dias após o fato, trazida por alguém que vai buscá-la. Uma vila como milhares de outros povoados brasileiros, não fosse pela peculiaridade de estar na Fercal, em plena capital do País, a pouco mais de 30 quilômetros do Plano Piloto. A distância física de Brasília não é muita. Ainda menos são os 15 quilômetros que separam a Fercal de Sobradinho, a maior cidade próxima. Mas, na prática, os cerca de 15 mil moradores da região se sentem isolados. Boa parte mora em áreas tipicamente rurais, formadas por chácaras e fazendas, e só assistem televisão por conta de antenas parabólicas que garantem a captação do sinal.

Se ninguém for ao Plano Piloto ou a Sobradinho buscar as novidades, as vilas não sabem nada do que ocorre no DF. As parabólicas só captam sinal transmitido via satélite, por onde se veicula a programação nacional. Os programas locais, transmitidos pela Torre de TV, não chegam à Fercal, porque o sinal de transmissão não consegue transpor o banco de morros que circunda as vilas.

- Aqui, as coisas funcionam à moda antiga. O povo descobre o que acontece assuntando na rua. Quem vai à cidade, volta e conta o que está acontecendo. Às vezes, sabemos no dia seguinte. Outras tantas nem ficamos sabendo. Perdemos muitas oportunidades por conta disso. De emprego a aviso de enchente - conta Edivânia Conceição Trindade, 27 anos, que trabalha em uma loja na Fercal e também mora na região.

E não é só a TV que, para os mais de 15 mil brasilienses daquela região, não traz as novidades do DF. Pelo rádio, quando muito, é possível ouvir as estações AM. As FM, nem pensar. Os telefones celulares nem do alto dos morros dão sinal de vida. Os fixos, segundo Edivânia, funcionam se faz tempo bom. Choveu forte, pifou. E o computador, que com a Internet poderia ajudar, ainda é coisa de filme para praticamente todos.

- O que oferecem para o nosso povo aqui é muito limitado. O pessoal perde emprego, perde concurso, perde aviso do governo, campanha de saúde, tudo que diz respeito ao DF. Lógico que tem sempre gente indo ao Plano, a Sobradinho, gente que trabalha fora. Mas, na prática, só se fica sabendo das coisas muito tarde, em cima da hora, quando já não adianta muito - lamenta Délson da Costa Matos, dono de um cinefoto e do único computador disponível.

Depois de ver até gente perdendo a casa em enchentes por não ter acesso à previsão diária do tempo - a Fercal é uma das áreas de maior risco de alagamento no DF - Délson decidiu conectar um computador à Internet e alugar o aparelho para os moradores fazerem pesquisas. Todos os dias, no entanto, procura saber dos concursos, das vagas de trabalho e de tudo que possa interessar na região para informar aos vizinhos.