Título: Mutuária recebe o que pagou a mais
Autor: Gustavo Igreja
Fonte: Jornal do Brasil, 20/01/2005, Brasília, p. D5

Justiça condena CEF a devolver R$ 49 mil a uma brasiliense por correção indevida de contrato de financiamento de imóvel

Uma decisão inédita da Justiça Federal, publicada essa semana em favor de uma brasiliense, pode abrir caminho para que pelo menos três mil mutuários do DF - e milhares de outros brasileiros - se livrem do pesadelo das dívidas oriundas de contratos ''abusivos'' de financiamento da casa própria. Proferida pelo juiz da 7ª Vara Federal, Novely Vilanova Reis, a sentença conclui que a Caixa Econômica Federal (CEF) errou ao não corrigir o débito de Maria Helena Borges de acordo com o Plano de Equivalência Salarial (PES). Com isso, terá de devolver R$ 49,4 mil recebidos indevidamente. De acordo com a decisão, em vez do PES, a CEF utilizou como índice de correção do contrato entre 1991 e 2002 a Taxa Referencial de Juros (TR) - que remunera a poupança, por exemplo - muito mais alta. Na prática, significa que a CEF só poderia ter reajustado o contrato na mesma proporção dos aumentos salariais recebidos durante o período pela mutuária, que é funcionária pública.

- Isso é uma prática muito comum na Caixa. Para um funcionário público, que nunca recebe aumento, a correção ano a ano pela TR deixa a dívida astronômica - comenta o advogado Antônio Marcos da Silva, diretor da Associação dos Mutuários e Consumidores de Imóveis (Asmut), que patrocinou a ação.

A dificuldade da dívida impagável foi exatamente o que sentiu Maria Helena, que entrou com a ação em 2002, quando já não aguentava mais pagar as prestações para quitar o apartamento funcional na 116 Sul. Ela contou que foi com muito custo que conseguiu diminuir o saldo devedor a R$ 10,8 mil, tendo pago muito mais que o necessário.

- É absurdo. Você vê a dívida aumentando, aumentando, nunca chega perto de quitá-la. É uma questão de lógica ver que o cálculo feito pelo banco é injusto. Mas eles arrumam sempre um jeito de não deixar você terminar de pagar a casa - afirmou Maria Helena.

No caso em questão, conforme Antônio Marcos da Silva, o juiz acolheu ainda outra argumentação da funcionária, de que a CEF teria errado a conversão da dívida de URV para o Real, quando entrou em vigor o Plano Real, em 1994. Segundo ele, enquanto os salários à época foram convertidos na proporção de uma URV para R$ 1, os agentes financeiros reajustaram saldos devedores e prestações de financiamento habitacional na proporção de uma URV para R$ 1,47.

- De repente, todos os contratos anteriores ao Plano foram aumentados em 47%. São milhares de mutuários nessa situação em todo o País. Só na Asmut, são cerca de três mil. Imagina quanto os bancos não lucraram. Maria Helena pagou R$ 49,4 mil a mais. Por isso existem dívidas absurdas que só crescem - afirma ele.

A CEF ainda pode recorrer da decisão, proferida em primeira instância. Mas, para o advogado, a sentença abre sim um caminho na Justiça para esses mutuários e será muito difícil de ser revertida pelo banco.

Procurada pelo JB, a Empresa Gestora de Ativos (Emgea), que administra contratos da CEF desde 1999, ainda não foi comunicada da decisão e, por isso, não quis fazer qualquer comentário.