Título: Franceses ignoram a posse até a véspera
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 21/01/2005, Internacional, p. A8

A impressão que se tem é que o terremoto na Ásia fez também duplicar a distância que separa a França da América. Um dia antes da posse de Bush para o segundo mandato, a imprensa e os franceses pareciam ignorá-la solenemente. Não se sabe se de propósito ou não, ou se foi em função da ''declaração de princípios'' em torno do umbigo euro peu celebrada por Chirac, Schröder, Blair e Zapatero, em Toulouse, na véspera. Mas outros temas por aqui deixaram a festa de US$ 40 milhões, em Washington, como um rodapé de página nos dias que a antecederam. Entre outras coisas porque o francês comum enfrenta, nos últimos dias, uma série de greves no serviço público.

Na quarta-feira, era o setor ferroviário que estava parando. Isso não quer dizer que não havia trens, mas que apenas um terço estava operando. O ReR, por exemplo, um trem expresso que liga Paris ao aeroporto Charles de Gaulle, só atendia por um único terminal na cidade. A posse em Washington, diante desses transtornos, parecia estar ocorrendo em Marte.

Outro ponto que ofuscou a festa republicana foi a repercussão das denúncias de tortura contra iraquianos praticadas por soldados britânicos. As fotos dos espancamentos e dos abusos sexuais estavam visíveis nas grandes bancas de Paris. A denúncia contra os militares de sua Majestade e o resultado do julgamento ganharam mais espaço que Bush, tanto nos jornais quanto no noticiário das televisões locais. E, de quebra, espremeram mais um pouco a credibilidade de Tony Blair.

Ainda, a França vive um intenso debate que guarda relação com a era Bush e sua ''cruzada contra o terror''. Trata-se de um projeto de reforma legal, com base em um dispositivo jurídico de 1915, nunca posto em prática. Pela nova legislação, cujo principal defensor é o ministro do Interior Dominique de Villepin, os franceses vão passar a formar os clérigos muçulmanos que vivem no país dentro de uma espécie de ''currículo religioso nacional''.

O objetivo é evitar a influência de radicais islâmicos vindos dos países árabes e africanos entre a enorme comunidade dessas duas regiões na França.