Título: Uma experiência pioneira de renda básica
Autor: Suplicy, Eduardo
Fonte: Jornal do Brasil, 01/04/2008, Opinião, p. A9

A Namíbia é um dos países de maior desigualdade de renda no mundo. O Relatório Anual do Banco Mundial do ano passado coloca a Namíbia como o país com maior coeficiente Gini de desigualdade (0,74), dentre todos os países listados. Este índice, porém, ainda refere-se a 1993.

Recentemente lá se instituiu um sistema universal para pagamento de um benefício igual para todas as pessoas de 60 anos ou mais, o qual tem sido bem administrado nas áreas rurais e urbanas deste país de 2,1 milhões de habitantes e de 825.418 km². Por meio de um cartão de crédito com identificação de cada um, inclusive com fotografia, impressões digitais e um sistema de transporte que leva os caixas eletrônicos em vans para as regiões mais longínquas se consegue atingir, na prática, 100% dos que têm o direito previsto em lei. Em virtude desse instrumento estima-se que o coeficiente de desigualdade já tenha baixado significativamente.

Desde 2002 formou-se na Namíbia um intenso movimento, apoiado pelas igrejas e entidades da sociedade civil em favor da criação de uma renda básica incondicional, que não discrimine as pessoas pela nacionalidade, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica.

É a Coalizão pela Renda Básica que numa iniciativa inédita no mundo em desenvolvimento, instituiu a partir de janeiro na vila de Otjivero, em Omitara, a 100 km da Capital Windhoek, onde há um assentamento rural de 1.005 habitantes, o pagamento de uma renda básica de US$ 100 da Namíbia, equivalentes a US$ 12,5 todos os seus moradores. A experiência durará pelo menos dois anos. A cada seis meses se fará uma cuidadosa avaliação de seus efeitos.

Em 9 de março, em Boston, nos Estados Unidos, por ocasião do 7º Congresso da Rede dos Estados Unidos da Renda Básica, o professor Guy Standing, co-chair da Basic Income Earth Network (Bien), deu seu testemunho sobre a experiência da Namíbia.

Um dos maiores defensores da renda básica na Namíbia é o bispo Zephania Kameeta, que em 2006 participou da reunião do Conselho Mundial das Igrejas, em Porto Alegre. Na ocasião ele ministrou, em São Paulo, a aula magna da Eaesp-FGV sobre a perspectiva da renda básica na Namíbia.

Ficou muito feliz em saber que o Congresso brasileiro aprovou a Lei 10.835, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004, que institui a renda básica de cidadania, por etapas, a critério do Poder Executivo. Começa pelos mais necessitados, até que um dia, todos os residentes no Brasil, inclusive os estrangeiros aqui há 5 anos ou mais, não importa sua condição socioeconômica recebam uma renda que, na medida do possível, atenderá às suas necessidades vitais. O programa Bolsa Família, que hoje beneficia ¼ dos brasileiros, representa um passo nessa direção.

Neste ano de 2008, buscarei estimular todos os candidatos a prefeito no Brasil a fazerem de seus municípios uma experiência pioneira de renda básica de cidadania em cooperação com o governo federal ¿ em especial, com o Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome.

Fiquei feliz quando um grupo de jovens da vila de Paranapiacaba, um patrimônio histórico e ecológico do município de Santo André, em São Paulo, onde moram 1.400 pessoas, dirigentes do Instituto pela Revitalização da Cidadania, resolveram formular uma proposta factível para que o local se torne um exemplo pioneiro da implementação da renda básica de cidadania no Brasil. Seus dirigentes, Bruna Augusto Pereira e Marcus Brancaglione dos Santos, após positiva audiência com o prefeito João Avamileno, de Santo André, no último sábado resolveram levar adiante a boa nova.

No próximo dia 11, às 17h30, a população de Paranapiacaba está convidada a comparecer no Clube União Lira Serrano onde haverá uma audiência pública sobre o tema. Também serão convidados os dirigentes das empresas dos municípios da região em torno da vila histórica para ajudar na implementação dessa idéia.