Título: Crime sem castigo
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 19/01/2005, Economia, p. A17

Empresas condenadas por desrespeito à concorrência conseguem meios de contestar decisão do Cade e não pagam multas

Nenhuma das empresas condenadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por formação de cartel pagou a multa imposta como punição pela infração à ordem econômica. Parte das decisões está sendo contestada na Justiça, o que torna incerta a liquidação da fatura. Também correm no Judiciário as ações de execução ajuizadas pelo Cade contra os devedores.

O levantamento foi realizado pelo próprio órgão a pedido do Jornal do Brasil. Foram listadas cerca de 10 condenações.

Um dos casos emblemáticos é o do cartel do aço. Em outubro de 1999, os conselheiros condenaram, por unanimidade, CSN, Usiminas e Cosipa ao pagamento de multas de, respectivamente, R$ 22,18 milhões, R$ 16,18 milhões e R$ 13,15 milhões. As empresas recorreram ao Judiciário para derrubar a decisão, discussão que ainda corre em segunda instância. Elas conseguiram cautelares, em primeira instância, que as livram de depositar em juízo os valores enquanto não é proferida uma sentença definitiva sobre o mérito.

O Cade apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, para cassar as cautelares. De acordo com o procurador Mauro César Chaves, houve sucesso em um dos casos, o da Cosipa, mas a empresa propôs um novo recurso, o que suspendeu de forma temporária o depósito em juízo da multa.

- A legislação brasileira dá muita oportunidade de defesa para quem é devedor - disse Chaves.

- A morosidade não pode ser atribuída ao Cade - defendeu a procuradora-geral do órgão, Maria Paula Dallari Bucci, referindo-se aos resultados. - O cartel do aço deu origem a 27 processos judiciais.

A advogada Sandra Gomes Esteves, do Franceschini e Miranda Advogados, informou que a Cosipa e a Usiminas recorreram ao Judiciário por entender que o processo administrativo estava ''cheio'' de nulidades, que resultaram na aplicação das multas pelo Cade.

- A Justiça suspendeu a cobrança da multa por liminar - afirmou.

Já a CSN, por meio da assessoria de imprensa, informou que só vai se pronunciar sobre o assunto após entendimentos que estão em andamento no Cade.

Para garantir ao menos o depósito em juízo, o Cade menciona na Justiça o artigo 65 da lei de defesa da concorrência (8.884/94). O dispositivo diz que uma ação contra decisão do órgão não suspenderá a execução ''se não for garantido o juízo no valor das multas aplicadas, assim como de prestação de caução, a ser fixado pelo juízo, que garanta o cumprimento da decisão final proferida nos autos''.

Além do excesso de recursos existentes na legislação processual, o Cade também responsabiliza a primeira instância pela demora no cumprimento de suas decisões, conforme seu ex-presidente João Grandino Rodas. De acordo com ele, os juízes teriam a cultura de conceder liminares para livrar as empresas das sanções. Rodas chegou a cogitar a elaboração de um projeto de lei prevendo que recursos contra decisões do órgão só poderiam ser ajuizados em segundo grau. Mas ele não levou a idéia adiante.

Segundo Maria Paula, o fundamental é disseminar a cultura da concorrência entre os profissionais envolvidos com a Justiça. Passos nesse sentido foram dados em 2004, em seminários com representantes do Ministério Público e da Justiça Federal.

- O assunto está na agenda, e uma nova rodada será realizada neste ano - disse a procuradora-geral do Cade.