Título: A antecipação de um equívoco
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/04/2008, Opinião, p. A8

A última ata do Copom, há quase um mês, o Boletim Focus, em seguida, e as declarações do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por último, compõem o cenário desejado pelos agentes financeiros: entranhado numa armadilha, criada conscientemente ou não, o BC deve elevar os juros na semana que vem, quando ocorrerá a próxima reunião do Comitê de Política Monetária. Caso as expectativas do "mercado" se confirmem, o banco encerrará uma longa fase de bons préstimos ao país para cometer um erro. Tem sido brilhante na sua principal missão ¿ manter a inflação sob controle ¿ mas pode agora errar a mão. Vai pôr a indústria em situação desconfortável. Estimulará freios nos investimentos. Turvará os caminhos dos empresários, hoje grandes promotores do emprego e do crescimento. Antecipará uma pressão (ainda) inexistente.

A ata da última reunião sugeria que o banco estaria pronto para atuar de forma "preventiva", a fim de evitar a deterioração das expectativas inflacionárias. Ao abrir a guarda e antecipar uma possível ação futura, ignorou o seu papel na formação das expectativas ¿ e deflagrou a projeção confirmada pelo Boletim Focus. Este documento, para quem não sabe, é produzido a partir de informações repassadas majoritariamente por representantes do setor financeiro. A deterioração das expectativas seria previsível. Há quatro semanas, o Focus previa 4,4% para o IPCA deste ano. Uma semana atrás, 4,44%. Ontem, 4,47%. Décimos adicionais, neste caso, têm força para antecipar equívocos.

Eis a armadilha. Expectativa alimentada pela expectativa conseqüente revela-se um verdadeiro cabo-de-guerra ¿ como acertadamente definiu o ex-ministro Delfim Netto. A trama dá-se em torno de projeções que, discutivelmente, fazem valer o aumento de juros como medida de precaução, conforme sugere o BC. Esta cilada da retroalimentação incorpora um horizonte de 12 a 24 meses, que deve informar a política monetária no regime de metas inflacionárias.

Da armadilha ao equívoco. De Miami, o presidente do BC, Henrique Meirelles, completou a receita. Afirmou que "os bancos centrais não devem se basear em medidas populares (...) para tomar suas decisões, mas, sim, têm de optar pelo que é melhor para o país". Pelo que fez até aqui, Meirelles merece crédito e respeito. Mas há um vício de origem na composição do raciocínio do banco, explicitada pelas declarações de seu presidente: tudo parece estar se passando como se o país estivesse na iminência de uma tragédia inflacionária. Parece ser ignorado, por exemplo, o resultado do IPCA (excluídos carnes, leite e feijão), que cresceu 3,4% nos últimos 12 meses. Se "o importante é termos a inflação na meta", como ressaltou Meirelles, não há razão para imaginar que tal missão vem sendo ¿ ou será ¿ descumprida. Ao contrário.

Mais do que isso, o Copom visa ao centro da meta, sem levar em conta a margem estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional. Só insones assombrados ou viúvas delirantes do passado ousarão discordar dos benefícios trazidos pelo sistema de metas de inflação. Com todas as dificuldades, esse sistema tem sido posto à prova internacionalmente. No caso brasileiro, exibe melhores feitos do que o velho sistema de controle de preços e salários que vigorou até a década de 80.

Não se questiona, portanto, o sistema de metas. Mas deve ser sublinhada a existência da margem da inflação a ser atingida ¿ e não apenas o centro da meta definida. Assim, convém esperar um pouco. Parcela importante dos índices inflacionários do país tem origem no exterior. No plano interno, faltam números mais claros de descompasso entre a demanda e a oferta domésticas. Não há, portanto, evidências convincentes de uma ameaça que justifique uma "ação preventiva" do BC.