Título: Países precisam se concentrar na integração do continente
Autor: Gerk, Cristine
Fonte: Jornal do Brasil, 09/04/2008, Internacional, p. A23

Garoava em Cambridge na sexta-feira. Pouco antes do meio dia, uma figura arqueada atravessou com passos lentos, mas seguros, a Hayward Street. Vinha munido só de um chapéu Fedora amassado, para proteção da cabeleira branca. O professor Noam Chomsky é homem acostumado aos desafios: para ele, não há tempo ruim. Seu destino naquele dia era a 11ª Latin Conference, promovida pela MIT Sloan School of Management, em parceria com o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil. E falar sobre inovação e crescimento na América Latina é tarefa difícil de ser executada.

O professor Chomsky, acadêmico mais citado em referências em estudos variados nos EUA, é o homem ideal para dar os tiros iniciais numa batalha como esta. Depois dele viriam 24 pessoas que entendem muito do assunto ¿ comandam cargos executivos de governo e de algumas das maiores empresas da região. A maratona de dois dias de palestras, seguidas de perguntas da audiência, claro, não esgotaram o assunto. Mas deram passos tão firmes como os do velho professor do MIT, na direção certa.

As palestras, em sua maioria, ficaram focadas em setores específicos das economias de Brasil, Argentina e Uruguai. Os convidados ¿ do presidente da Embraer, Carlos Costa Rzezinski, passando por Pablo Brenner, da Prosperitas Capital Partners, o primeiro fundo de venture capital do Uruguai, até Santiago Bilinkis, fundador e executivo chefe da Officenet, empresa gigante de materiais de escritório na Argentina ¿ foram muito específicos nas palestras sobre as áreas de atuação das empresas que representavam. Formaram uma colcha de retalhos de subdivisões econômicas.

¿ O conjunto destas palestras indicou inovações e provocou reflexões ¿ disse ao JB Maria Beatriz Nofal, presidente da Agência Nacional de Promoção de Investimentos da Argentina.

Exemplo disso está, em parte, na palestra de Chomsky. Disse que, nos EUA, a imprensa costuma dividir os governos da região em a "boa esquerda" e a "má esquerda" ¿ de Hugo Chávez.

¿ Não se menciona que há interações entre elas ¿ disse.

Chomsky ressaltou a criação do Banco do Sul ¿ reunindo as economias da América do Sul ¿ como iniciativa importante e comprovadora da integração da região.

É verdade que uruguaios e argentinos compararam as expansões de suas economias com as do Brasil. Enquanto os brasileiros miravam em alvos globalizados, seguindo os países do chamado Bric (Brasil, Índia, Rússia e China). Pode parecer que esta diferença de enfoque demonstre divórcio de interesses. Talvez até uma certa dose das velhas rivalidades entre vizinhos. Mas não é bem isso, como explicou Maria Nofal:

¿ As comparações que fiz, entre indicadores argentinos e brasileiros, foram apenas recursos didáticos sobre as possibilidades de meu país. As economias da região, sobretudo do Mercosul, estão firmemente integradas. Rivalidades existem entre empresas. Entre nossos países, o que existe são parcerias que são motores do desenvolvimento na região.

Politicamente, esta integração também demonstra vigor inédito. Quem atesta é o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, que, ao JB, exemplificou: a crise recente na fronteira de Equador e Colômbia foi tratada com rapidez e eficiência pelos países da América do Sul. O Brasil, a despeito desta integração, insiste em olhar para o Bric.

¿ E deve fazê-lo ¿ argumentou Luis Carlos Trabuco, CEO do Bradesco Seguros, ele próprio com farta munição de dados sobre as economias deste bloco imaginário. ¿ A idéia é a de ampliação do mercado e penetração ao nível globalizado.

O diretor-geral do JB, Marcos Prado Troyjo, notou que Rússia, China, Índia e Brasil têm mais em comum seu gigantismo. Fora disso, há enormes diferenças. Segundo Trabuco, os brasileiros pobres têm quatro vezes mais poder de consumo do que o pobre indiano.

¿ O que vimos neste seminário é que a América Latina se integra. E passa a olhar para o mundo, como forte competidor no mercado ¿ disse Richard Locke, professor do MIT.

Chomsky completou:

¿ As salvaguardas latino-americanas contra futuras crises estão nas relações integradas e democráticas dos países da região.