Título: A ameaça do terceiro mandato
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 08/04/2008, Opinião, p. A8

Aos poucos, vão-se iluminando as sombras que obscureciam o desejo de aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assegurar-lhe o direito de tentar o terceiro mandato ¿ embora o próprio chefe do Palácio do Planalto tenha, mais de uma vez, negado a intenção de rasgar a Constituição em nome da distensão do seu mandato. Se, no entanto, prevalecerem os últimos sinais emitidos por companheiros muito próximos ao presidente, esse desejo está posto às claras. Tornou-se explícito. Caso as propostas em curso vinguem de fato, se consumará um ato contra a democracia com meios democráticos. Um espanto.

Primeiro vieram as inquietantes declarações do vice-presidente José Alencar ¿ para quem "os brasileiros desejam que Lula fique mais tempo no poder" ¿ agora outros porta-vozes deram sua contribuição à insensatez. A curiosa declaração feita pela segunda mais importante autoridade do Poder Executivo ¿ de que "raramente encontramos um cidadão como ele (Lula) para dirigir as coisas do Brasil" ¿ deixou evidente a intenção de pregar, em público, o que deveria permanecer mudo.

Agora foi a vez do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que passou a tratar o terceiro mandato como tema público e plausível. Em entrevista ao Valor Econômico, o deputado confessou que tem orientado o colega Devanir Ribeiro (PT-SP) ¿ maior defensor do terceiro mandato de Lula ¿ em sua causa.

Disposto a agradar o companheiro-mor, Devanir promete apresentar uma proposta concreta, seguindo sugestão do próprio Teixeira: segundo a lógica da dupla, uma emenda constitucional estenderia a cinco anos o mandato do presidente da República, sem possibilidade de reeleição. A mudança no tempo de governo daria chances para Lula concorrer novamente à Presidência, sem carregar explicitamente o peso do tão criticado terceiro mandato. A lógica, para tanto, é que todos, com mandato ou não, estariam aptos a disputar a eleição, já que a disputa se daria sob novas regras.

É bonito no papel e trágico na prática. Uma re-reeleição de fato ¿ como fez o coronel Hugo Chávez na Venezuela ¿ ou a malandragem do fim da reeleição com o jogo jogado, seja qual for a opção trata-se de uma afronta à democracia, às regras eleitorais e ao país. Cansada de desvios do caminho democrático ¿ como o excesso de medidas provisórias e emendas à Constituição ¿ a sociedade deseja normalidade institucional e continuidade das regras.

A matreirice é injustificável. José Alencar, por exemplo, recorre à tese de que os brasileiros desejam que o presidente fique mais tempo no poder. O argumento de defesa do fim da reeleição também não cola. De fato, o mecanismo, instaurado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mostrou-se ruim para o país. Foi uma experiência que não deu certo ¿ mal assumem os governantes, já precisam pensar na reeleição e as campanhas ocorrem em condições de desigualdade. Se a meta é acabar com o equívoco, basta instituir o seu fim, mas com regras valendo para os próximos mandatários. Simples e fácil assim.

Alguns analistas imaginam que a iniciativa é decorrente da falta de substitutos naturais do presidente Lula ¿ faltam-lhe sucessores fortes o suficientes para tornar mais tranqüila a vitória de um candidato apoiado pelo governo. Outros analisam as intenções cada vez mais explícitas como uma forma velada de o presidente querer perpetuar-se no poder. Pelo seu passado e pelas declarações presentes, é difícil imaginar que seja verdade.

O fato é que o alerta está dado. Os riscos são mais do que evidentes. As ameaças, cada vez mais claras. Resta torcer para que a sensatez prevaleça. E as zonas cinzentas à vista desapareçam com a mesma rapidez com que chegaram.