Título: STF proíbe desocupação da reserva
Autor: Carneiro, Luiz Orlando; Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2008, País, p. A3

Governo de Roraima alega que poderia haver guerra civil. Polícia Federal continua na região

Brasília

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, ontem, temporariamente, a Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, destinada a retirar a população não-índia da área indígena Raposa/Serra do Sol. O governo de Roraima ajuizou, no dia 7, ação cautelar para evitar uma "guerra civil" no Estado, até que seja decidido o mérito de uma ação cível originária, a ser ainda proposta, referente a "ilegalidades ocorridas no curso do processo administrativo demarcatório da reserva".

O relator da cautelar, ministro Ayres Britto, resolveu levar a questão imediatamente ao pleno do tribunal, "diante da premência do caso e do aparente estado de conflagração em Roraima".

No pedido de liminar, o governo do Estado ressaltava que a retirada dos não-índios da reserva ¿ que abrange 46% do território de Roraima ¿ afetaria, pelo menos, 6% da economia estadual. Além disso, os não-índios representariam não mais do que 1% da área demarcada como reserva indígena.

Sem comprometimento

¿ É fácil perceber que essa porção de 1% não compromete substancialmente a finalidade da demarcação ¿ afirmou Ayres Britto. ¿ Mas pode comprometer a economia, a segurança e a ordem pública.

Ainda de acordo com o relator ¿ cujo voto foi acompanhado pelos demais ministros ¿ o território em causa localiza-se em área próxima à fronteira, o que dá ao caso "contornos de defesa da soberania nacional".

Na petição, o governo de Roraima acusa o governo federal de não ter cumprido as promessas de compensar a saída dos produtores de arroz e demais não-índios da reserva, entre as quais a destinação de 150 mil hectares para a implantação de pólos agropecuários e a regularização de cerca de 10 mil propriedades familiares, que teriam direito a receber créditos do Programa Nacional de Agricultura Familiar.

Comemoração

A decisão do STF foi festejada com carreata e discursos inflamados por centenas de manifestantes concentrados em frente ao palácio do governo estadual, no Centro Cívico de Boa Vista. A Polícia Federal avisou, no entanto, que manterá de prontidão na capital de Roraima todo o efetivo de 500 homens que estavam preparados para entrar na reserva, até que se saiba a data exata do julgamento do recurso.

Antes da manifestação do STF, durante reunião com um grupo de arrozeiros, na sede da Superintendência da Polícia Federal, o delegado Fernando Segóvia havia concordado em adiar o início da operação ¿ inicialmente prevista para ser deflagrada hoje ¿ até segunda-feira, quando receberia uma resposta definitiva sobre a proposta de saída espontânea dos não índios. A partir de então, todas as alternativas de negociação estariam encerradas e a polícia entraria na área preparada para o enfrentamento.

A Reserva Raposa/Serra do Sol é hoje uma espécie de barril de pólvora sobre a qual, com exceção do Exército ¿ que tem dentro da área o 6º Pelotão Especial de Fronteira ¿, os órgãos governamentais não têm qualquer controle. Conflagrada, a região está sob o domínio de um grupo de arrozeiros, apoiados por pelo menos um terço dos 15 mil índios ¿ a imensa maioria pertencente à etnia macuxi ¿ contrários à demarcação em área contínua. Com apoio de militares da reserva, esses grupos estão impondo ao governo um estilo de resistência no qual desobediência civil e táticas de guerrilha misturam-se. Além de destruir pontes, escavar buracos nas estradas, interromper o fluxo de balsas, os simpatizantes do principal líder da resistência, Paulo César Quartiero, têm espalhado homens armados ¿ alguns deles estrangeiros ¿ em vários pontos da reserva.