Título: Quebra de paradigma
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 10/04/2008, Opinião, p. A9

Começou a ser debatido esta semana, na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 29, que unifica a regulamentação da TV por assinatura (hoje são três, uma para cada tecnologia), permite às teles entrarem no mercado de distribuição de audiovisual e cria medidas de proteção ao conteúdo nacional. Embora seja voltado a um serviço de televisão pago, que atinge pouco mais de 5 milhões de assinantes - contra os 170 milhões da TV aberta - o projeto de lei tem importânncia histórica. Pela primeira vez no Parlamento, desde os anos 60, quando se aprovou o Código Brasileiro de Telecomunicações e toda a legislação de radiodifusão, o tema das comunicações não é tratado levando-se em conta apenas as questões tecnológicas. O projeto de lei contempla toda a cadeia produtiva, da produção á distribuição dos programas. E, ao fazer isso, define critérios importantes para fomentar a indústria de audiovisual no país.

O PL 29 representa uma quebra de paradigma e um primeiro passo na direção de o país reconhecer, institucionalmente, a importância da indústria cultural, que é motor, no século 21, de um novo padrão de desenvolvimento econômico e social, em países como Austrália e Reino Unido, como afirma o professor Marcos Dantas, da PUC-RJ, em recente artigo sobre o tema.

A proposta do relator do projeto, deputado Jorge Bittar (PT/RJ), prevê a proteção ao conteúdo nacional, a exemplo da legislação de vá¡rios paí­ses desenvolvidos que defendem suas culturas e suas indústrias culturais, e ás empresas produtoras e programadoras controladas por brasileiros. Também garante espaço aos produtores independentes, tanto na cota geral de conteúdo nacional, como nos chamados canais BR, que são aqueles programados por empresas brasileiras e que, no horário nobre, precisam ter 40% de conteúdo nacional.

Para se chegar á proposta que será debatida e votada na Câmara, foi um longo processo de negociação. Que também quebrou paradigmas. Pela primeira vez, radiodifusores, totalmente resistentes à entrada das teles no mercado de distribuição de ví­deo, e empresas de telecomunicações, com destaque para as concessioná¡rias de telefonia fixa, sentaram-se á mesa, frente a frente, em debates dos quais participaram representantes dos produtores independentes, dos programadores nacionais e internacionais, da sociedade civil e, obviamente, do Parlamento.

O acordo representa um avanço importante no entendimento de que, com a convergência tecnológica, não é possí­vel mais compartimentar a atuação das redes de comunicação. Quanto mais serviços elas prestarem, mais informação será distribuí­da, mais produtores nacionais terão canais para escoar seus conteúdos, mais diversidade será colocada á disposição do assinante, enfim, da sociedade.

Na construção do acordo, todos cederam. Mas as grandes linhas do projeto, que se baseia no ponto de vista da convergência tecnológica na oferta de serviços e do fomento á indústria do audiviosual, foram mantidas, como observa Bittar. Alé3m do mais, ele insiste em que a abertura do mercado de distribuição de ví­deo ás teles vai popularizar o serviço de TV paga em direção ás classes de menor renda. A previsão é de que a base de assinantes quintuplique em cinco anos.

A expectativa, agora, concentra-se na tramitação do PL 29 na Câmara e, depois, no Senado. É fundamental que os parlamentares se convençam de que sua aprovação representará um salto de qualidade para a indústria cultural e para o provimento de serviços convergentes.

Mais: com ele, começa o desenho de um novo modelo de telecomunicações, onde um mesmo operador, qualquer que seja ele, a partir da mesma plataforma ou de diversas plataformas, pode prestar múltiplos serviços a um mesmo usuário. A sociedade só tem a ganhar com essa mudança. Pela primeira vez, vamos democratizar o acesso á cultura para milhares de brasileiros, de forma articulada com a defesa da produção nacional.