Título: Longe dos movimentos sociais
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/01/2005, País, p. A3

Lula admite que reforma agrária não caminha no ritmo esperado e prevê reaproximação com os sem-terra quando deixar o Planalto

Três dias depois de ter visitado um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Bahia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que vai se reaproximar dos movimentos sociais quando deixar o Palácio do Planalto. Enquanto o mandato não acaba, contudo, admitiu que a reforma agrária não caminha no ritmo que o governo gostaria de impor. Segundo Lula, o atraso é fruto da lentidão do processo político, subordinado à Constituição.

- Não podemos esquecer quem é mais companheiro ou menos companheiro. Quando chego ao acampamento dos sem-terra e vejo centenas de pessoas pobres, que estão há dois anos, embaixo de um barraco de lona preta, e continuam com o mesmo discurso de esperança que tinham 10 anos atrás, sou obrigado a reconhecer: o presidente precisa receber todo mundo, governar para todos - afirmou o Lula em seu programa quinzenal de rádio, referindo-se ao acampamento que leva seu nome, visitado na sexta-feira. Na ocasião, vestiu o boné dos sem-terra e fez discurso a favor do movimento.

O discurso ainda não convenceu o MST, que protestou na semana passada quando o Incra divulgou o balanço da reforma agrária em 2004. Os dados revelam que a meta de assentar 115 mil de famílias não foi cumprida. De acordo com o governo, foram assentadas apenas 81.254 famílias.

- Nós estamos subordinados a uma Constituição. Há leis que o presidente da República tem de cumprir, que os sem-terra têm de cumprir, que o empresário tem de cumprir, que todos nós temos de cumprir. Eu acho que as pessoas têm compreensão de que o processo político é lento. As mudanças não são feitas com a rapidez que a gente deseja - lamentou Lula.

Na defensiva, o presidente explicou que, nas discussões sobre a reforma agrária, o assentamento não é o único fator que deve ser considerado. Lembrou que, por causa da União, milhares de pequenos proprietários conseguiram obter seus pedaços de terra e agora precisam de assistência técnica e financeira:

- É isso que estamos fazendo, com uma intensidade muito grande - garantiu.

No rádio, o presidente afirmou que os sem-terra e outros movimentos sociais são a base de sua formação política. Lembrou, portanto, que terá de conviver com eles quando deixar a Presidência. Para sustentar a tese de que não está afastado dos compromissos sociais assumidos no decorrer da sua carreira política, Lula costuma dizer que, quando terminar seu mandato, voltará para São Bernardo do Campo, em São Paulo, onde será cobrado por sua atuação em Brasília. No programa de ontem, voltou a usar a fórmula:

- Vou ter convivência com os sem-terra e com os movimentos sociais - previu.

A entrevista de Lula para o programa de rádio foi concedida na Granja do Torto, onde o presidente está morando enquanto o Palácio da Alvorada passa por restauração.

Lula contou que, no Torto, residência usada normalmente para os fins de semana dos presidentes, chegou a assistir ao parto de uma ''macaquinha'', que teve dois filhotes.

- O Torto tem de interessante essa mata natural, passarinhos, ema, mutum. Tem até uma veadinha chamada Safira que o Ibama trouxe para cá - contou.