Título: Bandeiras polêmicas para o cardeal do baixo clero
Autor: Ângelo Castelo Branco, Paulo Tarso Lyra e Sérgio
Fonte: Jornal do Brasil, 16/02/2005, País, p. A2

Religioso, novo presidente da Câmara quer salário maior para deputados

Nascido em berço humilde na cidade de João Alfredo, no agreste pernambucano, o novo presidente da Câmara escapou da ''vida severina'' consagrada e lamentada na poesia de seu conterrâneo João Cabral de Mello Neto. Há 25 anos, Severino Cavalcanti costuma aparecer como pivô de assuntos polêmicos e não hesita em empunhar bandeiras controversas como o aumento do salário dos parlamentares. Pelos corredores do Congresso, não se cansa de repetir que os R$ 12,7 mil mensais não permitem que os deputados paguem todas as suas dívidas pessoais.

- É um absurdo, isso é salário de caminhoneiro - ataca.

A surpreendente vitória na Mesa Diretora é o ponto mais alto de uma carreira que começou na pequena João Alfredo, onde o então jovem político se elegeu prefeito em 1964. Na cidade natal, a economia não alterou as práticas agrícolas da cana-de-açúcar, milho, mandioca, banana, feijão, batata doce, tomate e manga. No plano político, ele chegou a Brasília, ousou se candidatar à presidência da Câmara e cuidou da própria campanha, garantindo que conhece cada deputado pelo nome.

Com apenas o segundo grau completo, Severino pouco discursa em plenário, mas transita bem entre o chamado baixo clero - ou ''novo clero'', como prefere rotular. Ali, trata de questões paroquiais, como a defesa do atual recesso parlamentar de 90 dias e mais verbas de gabinetes. Por isso, sempre teve votos para se eleger a algum cargo da Mesa Diretora - ocupa cargos de direção na Casa há oito anos.

No discurso proferido antes do primeiro turno de votações, Severino foi, de longe, o mais aplaudido.

- Deve ser em tom jocoso. Poucos levam ele a sério - afirmou um tucano, mais tarde vencido pelas evidências.

Aos 74 anos, católico fervoroso, o novo presidente da Câmara tem seu gabinete repleto de imagens de santos - ''precisamos rezar para garantir nossos direitos''. Desde a primeira eleição, jamais deixou a vida pública: foi prefeito, deputado estadual por 28 anos e está há 10 anos como deputado federal.

Por duas vezes, Severino exerceu o cargo de corregedor-geral da Câmara, entre 1997 e 2000. Neste período, pediu a cassação de 11 deputados, obtendo sucesso em três delas - Hildebrando Pascoal, Sérgio Naya e Talvane Albuquerque.

E não foi só políticos que Severino conseguiu banir. Em 1980, como deputado estadual, ganhou espaço na mídia ao patrocinar ostensivamente uma campanha para expulsar do Brasil o padre missionário italiano Vito Miracapillo, vinculado ao grupo pastoral católico da Teologia da Libertação. Apesar da anistia política recém conquistada, o movimento culminou com a saída do sacerdote, decretada pelo então presidente João Figueiredo.

No município de Ribeirão, na Zona da Mata Sul, o padre havia firmado uma posição antagônica em relação aos proprietários de terras. Recusou-se, inclusive, a rezar uma missa em ação de graças pela passagem do aniversário da Independência do Brasil. Era o estopim aceso pelos setores da direita, perplexos com a abertura política.

Ontem, no Recife, por coincidência, o grupo da Teologia da Libertação se reuniu num café da manhã para dar seqüência ao plano de pressionar o governo e dar andamento ao processo que tramita no Supremo com o objetivo de anular a expulsão de Miracapillo - hoje trabalhando no Sul da Itália.